Enfiar o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final, mas só depois de botar aquele vagabundo pra fora de casa e consertar de novo o alarme da minha alegria e aí pronto: é o mundo inteiro contido entre a maiúscula e o ponto final, ainda que depois ninguém entenda patavinas de piripitibas e mesmo assim se ofendam os stalinistas do grande espírito das grandes letras greco-latinas ocidentais e os stalinistas defensores por procuração dos frascos e comprimidos do departamento e estejamos assim todos mal pagos e fodidos; mesmo assim há que se continuar até o fim porque, entre o universo dito e o infinito omitido, o ponto final da frase onde cabe o mundo inteiro é possível, sem truques baratos nem truques raros porque entre populismos para gente que não gosta mesmo de ler e elitismos para gente que não gosta que ninguém leia lá vamos nós nos foder outra vez, mas, sinceramente, quem nunca se fodeu pelo menos doze vezes não merece o papel e a caneta que tem, muito menos o esplendoroso fracasso que só pode conhecer quem tentar pelo menos doze vezes enfiar o mundo inteiro entre a maiúscula e o ponto final – são esses seres de anúncio de escova de dentes que não sabem o que é a derrota ou esses especialistas de gravata que logo entendem tudo de uma vez e não sabem, por exemplo, que o mal existe e não precisa de motivos, que os assassinos e torturadores podem não ter nenhum trauma terrível no fundo do poço da infância (e, por favor, não me confundam com esses grã-finos do intelecto de Nova Iorque que inventaram essa patagoada de “banalidade do mal” para falar de assassinos e torturadores que podem até existir em qualquer povo e qualquer época mas nem por isso são um trisco menos assassinos e torturadores) – e é por causa do esplendor do fracasso e também porque o silêncio é uma covardia terrível que não altera a cacofonia esquizofrênica do mundo capitalista dilacerado entre a disciplina puritana da produção e o hedonismo infantilizado do consumo que apesar de tudo tem que ser mesmo essa peleja descarnada até o fim e como eu não acredito em reencarnação nem em livros psicografados, tem que ser da maiúscula ao ponto final no espaço de uma vida, que é, admito, um peido na história da humanidade e um cisco na história do planeta mas é tudo o que temos e, do que temos a fazer com o que temos, é o mais bonito e o mais divertido (e só a alegria e a beleza dadas têm esse sentido próprio que muita gente insiste em procurar no dinheiro), mas só depois de botar aquele palhaço para fora de casa e consertar o alarme da minha alegria que estragou desde o dia em que agora não vem ao caso quem se instalou de mala e cuia na minha vida como um parêntese infeliz que eu vou fechar agora, antes de começar a tentar mais uma vez enfiar o mundo entre uma maiúscula e um ponto final (pronto)
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
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