Skip to main content

Noções de Produtividade ou "só quando o relógio pára o tempo volta à vida"

Faulkner pastou como um escritor jovem com ambições imensas vivendo numa cidade do interior do Mississippi. Editou pequenos livros escritos e ilustrados à mão como Marionettes. Publicou poesia sem maior sucesso. Tentou se alistar na força aérea para a Primeira Guerra Mundial, também sem sucesso. Na universidade da cidade, onde chegou a ter algumas aulas, ganhou o apelido de Count No Count [algo como Conde Não-Vale-Nada] pela mistura peculiar de comportamento altivo, vagabundagem completa e total indiferença ao mundo em sua volta. Dez anos mais tarde, ainda quase um desconhecido, Faulkner escreveria As I Lay Dying [Enquanto Agonizo] à noite, enquanto alimentava de carvão as caldeiras que aqueciam a universidade no turno noturno.

Mais preocupado em escrever do que em fazer qualquer outra coisa, Faulkner chegou a receber de presente de familiares preocupados um posto de correio na cidade, no qual ele se comportava com exemplar mescla de incompetência e falta de vontade. A carta curta e grossa com que ele pediu demissão do seu cargo é primorosa:
Página do livro auto-editado Marionettes


"Enquanto eu viver no sistema capitalista, minha expectativa é ver minha vida influenciada pelas exigências das classes endinheiradas. Mas maldito seja se eu me propuser viver a postos de qualquer patife passando por aqui que tenha dois centavos para investir num selo postal.

Este, Senhor, é meu pedido de demissão."

No original: "As long as I live under the capitalistic system, I expect to have my life influenced by the demands of moneyed people. But I will be damned if I propose to be at the beck and call of every itinerant scoundrel who has two cents to invest in a postage stamp.
This, sir, is my resignation."
 Na superfície da vida social, Faulkner estava claramente "jogando fora a sua vida", "desperdiçando oportunidades de uma vida decente", servindo como objeto de escárnio ou pena para familiares e outras pessoas da cidade. Além dessa superfície pequeno burguesa de cidade do interior de província, Faulkner estava cozinhando na cabeça e no papel maravilhas desse quilate:

"Os relógios assassinam o tempo... o tempo está morto e assim permanece enquanto for estalado entre as rodas de escape; só quando o relógio pára o tempo volta à vida".

No original: “Clocks slay time... time is dead as long as it is being clicked off by little wheels; only when the clock stops does time come to life.”  

Comments

que blog massa! obrigada!
Obrigado, Carolina!

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na...