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Poesia Mexicana e Inglesa: Nezahualcóyotl e Ozymandias

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Nezahualcóyotl Acolmiztli [1402 – 1472] era ou não era o grande rei-poeta de Texcoco, membro do triumvirato de grandes reis nahua que dominaram o vale central do México no século XV? Era ou não era o autor dos poemas que hoje a ele são atribuídos no sentido que damos hoje em dia à palavra autor? Vamos tentar responder essas perguntas e caímos num labirinto de cronistas coloniais e historiadores/linguistas mexicanos da segunda metade do século XX e ainda revisões e re-revisões e trevisões contemporâneas dessa maçaroca toda que alegam que o nome é apenas uma máscara para múltiplos, infinitos poetas/declamadores anônimos. Um pouco como aqueles debates intermináveis sobre Gregório de Mattos, mas ainda mais complicados porque envolvem várias línguas e culturas atravessando a linha divisória da chegada dos saqueadores espanhóis e do longo holocausto que eles promoveram na América. 

Bem, o texto está aí e me cala fundo. Não me atrevo a traduzir a partir do espanhol e do inglês, já que não sei nada de Nahuatl. Pode-se ouvir o poema em espanhol e nahuatl aqui, acompanhado por música azteca. A pergunta de Nezahualcóyotl ainda vigora.

Nezahualcóyotl em ilustração do Codex Ixtlilxochitl


Yo lo Pregunto

Yo Nezahualcóyotl lo pregunto:
¿Acaso deveras se vive con raíz en la tierra?
No para siempre en la tierra:
Sólo un poco aquí.
Aunque sea de jade se quiebra,
Aunque sea de oro se rompe,
Aunque sea plumaje de quetzal se desgarra.
No para siempre en la tierra:
Sólo un poco aquí.





Aqui uma traducão recente para o inglês feita por Jongsoo Lee no seu livro sobre o tema:

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I, Nezahualcoyotl, ask this:
Is it true one really lives on Earth?
Not forever on earth,
Only a little while here.
Though it be jade it falls apart,
Though it be gold it wears away,
Though it be quetzal plumage it is torn asunder.
Not forever on earth,
Only a little while here.

Há algumas maneiras diferentes de se escrever o idioma nahuatl. Essa é uma das transcrições possíveis do original:

O pássaro quetzal
Niquitoa

Niquitoa ni Nezahualcoyotl: 
¿Cuix oc nelli nemohua in tlalticpac? 
An nochipa tlalticpac: 
zan achica ya nican. 
Tel ca chalchihuitl no xamani, 
no teocuitlatl in tlapani, 
no quetzalli poztequi. 
An nochipa tlalticpac: 
zan achica ye nican. 





O poeta romântico Percy Shelley perguntou-se mais ou menos a mesma coisa de uma maneira bem diferente, escondendo-se por trás de um "viajante por terras antugas" que viu enterrados na areia uma cabeça e ao lado duas pernas num pedestal com as palavras de um rei que, ao contrário de Nezahualcóyotl, achava que era o tal, criador de uma obra imortal sem igual. O poema chama-se "Ozymandias", está aí no seu original, que eu tirei daqui.

Foto minha: Metropolitan, NY
I met a traveller from an antique land
Who said: “Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert . . . Near them, on the sand,
Half sunk, a shattered visage lies, whose frown,
And wrinkled lip, and sneer of cold command,
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
The hand that mocked them, and the heart that fed:
And on the pedestal these words appear:
‘My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye Mighty, and despair!'
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare
The lone and level sands stretch far away.”

Os dois poemas sobre ambições e desambições e reis reais ou imaginários, quase quatro séculos distantes um do outro, se encontraram aqui na cabeça de um zé ninguém morando longe, pensando em raízes e desenraizamentos no seeculo XXI.

Comments

Obrigada amigo. Oportunidade única de conhecer a natureza atávica das minhas perguntas. Os dois poemas são novos para mim e são excelentes.
Ando fazendo uma retrospectiva do que escrevi em 2016 e lembrei de você quando passei de novo por esse post. É poesia que de certo modo nos ajuda a por um pouco mais em perspectiva as coisas. É bom que a literatura nos puxe um pouco para fora dessa experiência intensa [e hipertensa] do presente que as redes sociais nos dão, principalmente quanto o presente é uma sucessão de "acidentes pavorosos" ainda mais pavorosos porque nada acidentais.

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