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Modernismo não é só libertação

Ocupado com a minha primeira experiência trabalhando numa exposição, mergulhei de cabeça nos anos 20 no Brasil e nos Modernistas. Muito se fala sobre como figuras como Mário de Andrade e Oswald de Andrade articularam visões do Brasil que nos influenciam até hoje. Muito pouca atenção é dada aos vários modernistas reacionários, mas lendo o manifesto deles em 1928 encontrei a articulação perfeita do discurso conservador negacionista que elegeu o atual presidente da república. 

"Não há entre nós preconceitos de raças. [...] Também não conhecemos preconceitos religiosos. [...] Não há também no Brasil o preconceito político: o que nos importa é a administração [...]"
 
Os autores do manifesto vão ser figuras importantes de vários tipos de conservadorismo autoritário no Brasil.  Menotti del Picchia foi chefe da polícia política (o temido DIP) durante o Estado Novo em São Paulo. Plínio Salgado foi fundador e líder da Ação Integralista Brasileira. Alfredo Élis Jr. foi o criador do termo "Raça de Gigantes" para descrever os Bandeirantes de forma idealizada. Cassiano Ricardo foi colaborador entusiasmado do Estado Novo. Cândido Motta foi presidente do TSE entre 1964 e 1966 quando eleições foram adiadas e depois extintas para presidente e governador. 

O manifesto já fala claramente na necessidade um governo autoritário que assegure a "coesão e hierarquia sociais" ("acima de todos") e promova "o culto às tradições nacionais" ("acima de tudo"). Hierarquia e tradição são pilares para viver uma espécie de utopia cultural chamada "nacionalismo sentimental". Para isso, não podemos nos deixar seduzir por "ideologias estrangeiras", aprendendo a "produzir sem discutir". Devemos louvar apenas o indígena da nossa imaginação, aquele que "vive subjetivamente" num passado onde os massacres e explorações do passado são vistos como "fatalidades" inevitáveis. Os "heróis da raça" são objeto de culto: são os Bandeirantes que escravizaram e mataram os indígenas de carne e osso durante a colonização.   

Enfim, está aí já bem composto todo o discurso que hoje despeja da boca de um General Mourão ou de um desses ideólogos do racismo reverso. 

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