Queria experimentar a leitura de um livro de contos como ele foi publicado na seleção e ordem escolhidas pelo editor e seu autor [um certo Machado de Assis] quando ele tinha 45 anos. Acabei
de ler sem qualquer dificuldade um livro de 286 páginas de 1884, em sua primeira edição. Fiquei pensando
no estupor daqueles que tem um ataque cardíaco cada vez que alguém troca um s
por um z ou aqueles que vivem se lamentando cada vez que uma reforma
ortográfica muda algum acento.
E como
era a ortografia em 1884? Mais ou menos o oposto da ortografia atual no uso do
s, z, dois ss e ç, sem acentos nas proparoxítonas, com vários es e is também
invertidos [pae e mãi, por exemplo] e em outros detalhes interessantes que
reuni nessas frases juntando cacos do livro:
Ella
veiu sósinha aqui em caza estudar sciencia. Chimica é o meu forte.
O
bond estava vasio á hora da sésta, então arripiei caminho.
Ela
dansou, ele puchou os bigodes.
Meu
pae e minha mãi viveram dois mezes socegados longe de pessoas extranhas.
Já
não são creanças; estão na edade do matrimônio.
Peior
fregueza da loja queria dois assucareiros azues de Hespanha.
Vae
á botica tambem, mas scismou de passeiar nas larangeiras antes.
Andava
ancioso de um logar para o outro, até que o canssaço apareceu no horisonte.
A
auctoridade poz-se á espreita um longo praso e só interveiu quando ele cahiu de
costas
Queria
gosar um pouco, mas escorreguei doudo com uma estremeção de prazer.
Jámais
supuz ouvir barytono egual.
Poz-me
uma condição: não fugir á realidade e faser pesquizas sobre o mysterio.
Apesar
daquele argumento de que abolir o y, o ph e os ll duplos teria facilitado o
trabalho de alfabetização, percebo como não-especialista uma certa futilidade em
fazer reformas ortográficas e fico me perguntando de onde vem essa nossa mania no português.
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Ao
mesmo tempo sinto mais agudamente o ridículo do apego que meus companheiros de
geração demonstram ter por certas formas de soletrar e acentuar palavras,
regras que não têm sequer cem anos de idade. Para não dizer nada sobre aqueles que têm um ataque histérico ao menor sinal de um erro ortográfico.
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