Skip to main content

Z, ou a volta dos que [afinal] nunca se foram


Acabo de assistir com meu filho Samuel o filme Z de Costa Gavras, tão bom quanto o Missing com Jack Lemon, ou quem sabe um pouco melhor. Z é de 1969 e revê-lo em 2018 me deu uma medida bem vívida do retrocesso que os últimos anos representam em vários aspectos. Numa metade do mundo, tiveram pelo menos a decência que reeditar a Guerra Fria com um novo fantasma, o terrorismo patrocinado por um Islamismo Fascista. Na outra metade, voltamos a estupidez da Guerra Fria sem que exista sequer uma sombra da União Soviética e do "Comunismo Internacional". O anti-comunismo [de quem não importa] espalha seus espantalhos na rua e passa o rodo em todo o mundo em nome de Deus, da Civilização Ocidental, [pasmem!] da Democracia e dos bons costumes dos homens de bem. Apesar de vários prêmios, inclusive nos Estados Unidos, Z foi proibido no Brasil de Médici. Precisamos esperar 10 anos para finalmente ver o filme.

Foi assim que Z Tornou-se atualíssimo. Costa Gavras desloca a história do ativista pacifista e político grego Grigoris Lambrakis para uma espécie de Grécia francesa, omitindo nomes e lugares. A Grécia, como nós, tinha caído vítima da Guerra Fria no colo de uma ditadura militar brutal e energúmena em 1969. O golpe militar na Grécia aconteceu em 1967, às vésperas da nossa entrada numa nova fase, ainda mais energúmena, no nosso longo regime militar. Mas essa caída tinha sido antecipada com o assassinato de Lambrakis em 1963.

O filme nos expõe uma direita reacionária anti-semita, fanaticamente cristã, ocidentalista até as orelhas, muito machona e anti-comunista. Generais, chefes de polícia, oficiais do governo, políticos, promotores e "militantes" [as aspas aqui pela combinação de interesses pessoais e coerção que os motiva] são mostrados de forma incrivelmente ampla e com riqueza de matizes. Os milicos greco-franceses estão ali afiando seus dentes para um  massacre sem dó de pacifistas, comunistas, cabeludos, judeus, mulheres vadias e viados afeminados. Num contexto da geopolítica de Guerra Fria, inseguranças de gênero, fanatismo militarista, líderes reacionários e militares mobilizam a troca de favores e chantagens um sub-proletariado e uma pequeníssima burguesia provinciana para juntos tramar o extermínio do inimigo.

Um golpe de gênio de Gavras: o filme tem uma espécie de fim falso em que a derrota das forças reacionárias acontece pela persistência de um repórter puramente interessado no seu ofício, um par de testemunhas teimosas e um promotor nada simpático que aos poucos vai percebendo ser impossível ignorar que o tal "incidente" (a morte do líder pacifista) trata-se de um assassinato tramado. Vibramos eu e Samuel ao ver os canalhas mentirosos desgraçados caindo um a um. Só que nos créditos Gavras insere uma rápida coda com texto e fotografias em que descreve o golpe posterior, que define a morte e exílio de todas as figuras da oposição.

E que cinema! As cenas de ação com carros em movimento são simplesmente primorosas e a montagem em geral é rápida e ousada como costumava ser naquela época, mas muito clara. curiosamente as grandes estrelas do filme nos oferecem uma performance de estátua: Yves Montand e Irene Papas caminham muito lentamente e lançam olhares lânguidos para lá e para cá enquanto preenchem sua função no filme. Z não é deles, definitivamente. Os verdadeiros protagonistas são os meliantes desclassificados Vago e Yago, o imigrante russo que só quer um passaporte para ir embora, o fotógrafo/jornalista meio pilantra, o membro da oposição Manuel [Charles Denner] e o terrível General e seu círculo de governantes e militares corruptos de província.

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na...