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O tamanho do nosso buraco

1. Um Macri que pode mal disfarçar o seu desespero anuncia na televisão a volta da Argentina ao socorro urgente do FMI como um "ato preventivo". Sua fala é quase um pastiche do desespero também mal disfarçado de entusiasmo de um presidente De La Rúa falando em "blindagem internacional" às vésperas de uma hecatombe econômica que destruiu a Argentina.

2. Um Temer canastrão roda um tronco duro como a gomalina que segura seu penteado de vilão de chanchada e pontifica desde um pódio com microfone sobre as melhorias da economia e a recuperação do país enquanto o Brasil caminha a passos largos de volta para o inferno de fome, miséria e desemprego dos anos 90.

3. O discurso político é um gênero curioso. Mesmo no caso de exemplos menos crassos que os dos nossos dois tristes palhaços neo-liberais (um eleito e o outro nem tanto) o distanciamento no tempo e espaço funciona paradoxalmente como uma lupa que vai revelando o que há de grotesco na performance dos políticos.

4. Essa sensação de grotesco no discurso político, mais aguda ainda no século XXI, vem de um contraste cada vez mais gritante entre a superfície coberta por um otimismo radiante de utopias nacionalistas e o realismo cinzento da soberania popular amputada. Quanto mais se fala em fazer do mundo um paraíso de justiça social e/ou prosperidade, mais claro fica que os "nossos" representantes representam outros interesses e poderes econômicos e que "nossos" governantes governam para os mesmos interesses e poderes econômicos.

5. Um exemplo simples de uma figura particularmente grotesca, Donald Trump. Durante a campanha e mesmo depois - já que ele vive em campanha - o presidente dos Estados Unidos prometeu combater especuladores e monopólios para reduzir os custos exorbitante dos remédios. Mas uma vez dono da cadeira e da caneta de presidente, Trump resolveu continuar, por exemplo, a dificultar a importação de remédios do México e do Canadá, onde os remédios não são tão caros. Os discursos seguem tão agressivos quanto a determinação em não incomodar o grande capital. Investidores e representantes da indústria farmacêutica ficaram felicíssimos e as ações das empresas subiram, enquanto o cidadão dos Estados Unidos continua a ser aviltado com preços exorbitantes.

6. Vários exemplos poderiam ser encontrados em vários países diferentes e com políticos de várias matizes diferentes. Não estou aqui insistindo na imbecilidade que prega que direita e esquerda são iguais em tudo. Eles se igualam na maneira como frustram consistentemente aqueles que votam neles. Claro que a insatisfação com a esquerda social-democrata teria que ser maior, já que a esquerda [pelo menos no discurso] prioriza a justiça social e a diminuição das desigualdades e isso é uma impossibilidade num estado completamente a serviço do grande Capital [também conhecido pelo eufemismo "Mercado"], que não admite qualquer contestação aos seus interesses e nos empurra assim para um abismo de onde sairão novos Hitlers, ajustados cada um a cultura de cada país.

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