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Rir dos outros cegos sem rir de nós mesmos


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As pessoas riem alto com anúncios como esse, pelo absurdo que ele hoje claramente representa. Mas posso dar cinco exemplos de absurdos que acontecem quase todos os dias bem debaixo dos nossos olhos e aos quais parecemos estar completamente cegos.

1. Dezenas de anúncios do comércio grande e miúdo repetem a mesma inversão digna de um 1984 de George Orwell: "compre para economizar, economize comprando". Venha economizar gastando seu dinheiro conosco.

2. Outras dezenas de anúncios e programas de televisão variados repetem outra inversão digna de um Beckett: "envelheça cada vez mais jovem", sem perceber que o único antídoto efetivo contra o envelhecimento é justamente a morte.

3. Mais um bando imenso de pessoas, principalmente candidatos a todo tipo de cargo político, seja do executivo ou do legislativo, repetem incansavelmente, às vezes aos berros: "quanto mais armas e guerra, mais segurança e paz" - pelo menos metade disso aí é tirado ipsis litteris da distopia de Orwell.

4. Meu filho fez dezessete anos, mesma idade da guerra do Afganistão. Os Estados Unidos estão em guerra declarada há todo esse tempo mas a guerra terceirizada parece não afetar nada no dia-a-dia de um povo anestesiado. Em 17 anos nada é conquistado, não há derrotas mas também não há vitórias. Pelo andar da carruagem ficaremos assim, em guerra, o resto da vida.

5. Isso para não falar de bombardeios regulares a pelo menos sete outros países: Iêmen, Paquistão, Iraque, Somália, Líbia, Síria e Sudão. Os aviões que fazem esses não tem pilotos, então não respondem a nenhum código ou regulamento da força aérea. Mas os meios de comunicação insistem que eles são precisos - "cirúrgicos" é o termo preferido.


Comments

Vdd. Coicidentemente um ex-colega se sala (da setima serie), que atualmente e publicitario, postou por esses dias no Facebook uma propaganda de cigarros antiga, nao sei de quando, que discussava que era bom que gravidas fumassem porque assim engordariam menos . Esse ex coleguinha comentou na postagem que era por isso que ele gostava de ser publicitario: "para brincar de Deus". Eu aqui pensei que talvez fosse mais apropriado ele reconhecer que brinca de diabo. (Tata)
Paulo said…
Cada época cria suas próprias prisões, né?
Sem dúvida!

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