Chegamos ao sexto dia da série. Uma boa parte da melhor poesia de Carlos Drummond de Andrade foi escrita num período difícil dentro do Brasil e fora. Dentro encarávamos a Revolução de 30, a guerra civil em 1932, o Integralismo, o golpe em 1937, a ditadura do Estado Novo entre 37 e 45. Fora assistíamos o fascismo de Mussolini, o Estado novo de Salazar, a ascensão do nazismo, a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Não é por nada que os poemas de Drummond muitas vezes oscilavam entre a tristeza desesperançada e os apelos por esperança e luta.
O poema de hoje é soturno, sem deixar grandes esperanças frente a "esse anoitecer / mais noite que a noite.". O poeta "disperso" não consegue articular mais do que a determinação de ser aquele que desfia a recordação das vítimas comuns.
Sentimento do
mundo
Tenho
apenas duas mãos
e
o sentimento do mundo,
mas
estou cheio de escravos,
minhas
lembranças escorrem
e
o corpo transige
na
confluência do amor.
Quando
me levantar, o céu
estará
morto e saqueado,
eu
mesmo estarei morto,
morto
meu desejo, morto
o
pântano sem acordes.
Os
camaradas não disseram
que
havia uma guerra
e
era necessário
trazer
fogo e alimento.
Sinto-me
disperso,
anterior
a fronteiras,
humildemente
vos peço
que
me perdoeis.
Quando
os corpos passarem,
eu
ficarei sozinho
desfiando
a recordação
do
sineiro, da viúva e do microscopista
que
habitavam a barraca
e
não foram encontrados
ao
amanhecer
esse
amanhecer
mais
noite que a noite.
Não gosto muito do piano nem das imagens, mas achei essa leitura do poema de Drummond, junto com dezenas de explicações de cursinho para o livro de mesmo nome que, suponho, deve ter sido tema de vestibular recentemente.
Comments
Acho que devíamos ter um jeito de pular certas eleições no Brasil, onde a gente resolve apelar para um Sebastião moralista, mais ou menos de 30 em 30 anos: primeiro Jânio, depois Collor e agora esse fascista. O resultado é sempre uma grande cagada. Uma tragédia anunciada. Que agonia!