Meu
dilema agora é o seguinte: entre 1937 e 1945 nós tivemos uma ditadura
semi-fascista com a participação direta de militares vários na instalação do regime e na administração do aparato repressor. O Estado Novo acabou e nós preferimos deixar quieto, inclusive elegendo um dos generais daquele golpe como presidente da república na primeira eleição livre que tivemos. Mal conseguimos nos manter como um país democrático por 20 anos. Aí veio 1964 - e
pra quem não sabe, o general comandando as tropas no primeiro de abril
era o mesmo oficialzinho integralista que
falsificou o tal "Plano Cohen" que justificou 1937. Filinto Müller - o carrasco-mor do Estado Novo - foi senador por Mato Grosso e logo virou líder da ARENA no Congresso expurgado por cassações múltiplas.
Aí tivemos outra ditadura que começou em 1964 e devia durar pouco - os militares do Brasil eram liberais diziam os especialistas da época. A Ditadura Militar durou pelo menos 20 anos - deveríamos contar como fim da transição a promulgação da constituição de 1988. A caça aos comunistas nas escolas e universidades e repartições e jornais destrui carreiras, vidas e famílias e criou um clima de dedo-durismo oportunista. Gente inteligente de todas as correntes, inclusive liberais moderados, foram perseguidos. Quando aquela ditadura acabou o país estava em frangalhos, com hiperinflação e recessão e saques de supermercados e bombas em bancas de jornal. Mas nós resolvemos, de novo, deixar quieto. A lei de Anistia safada em que o regime incluiu os que faziam o seu serviço sujo continua sem qualquer contestação, sendo usada para que o judiciário lave as mãos contra criminosos abomináveis daquele aparato repressor.
Meros trinta anos de democracia e em 2018 um capitãozinho de meia-tigela montado num general mequetrefe começa [a que tudo indica] mais um ciclo autoritário. O amplo apoio que hoje veio oficializado no voto, existiu também em 1937 e em 1964. As omissões e hipocrisias que nos atormentam hoje grassavam também naqueles períodos. No Estado Novo Graciliano Ramos amargou um bom tempo numa prisão decrépita por ter pisado nos calos de umas famílias elegantes em Alagoas. Casos igualmente fúteis aconteceram aos borbotões em 1964. Gilberto Gil e Caetano Veloso foram importunados e depois presos e depois forçados a um exílio de anos por falarem de coisas perigosas como "caminhar pelo vento sem lenço sem documento" ou por usar cabelo comprido e roupas "exóticas". Para não deixar que o ridículo sirva de apaziguamento vamos então a exemplos nada fúteis das duas ditaduras: Olga Benário foi deportada grávida para um campo de concentração nazista por ser comunista e o deputado Rubens Paiva foi torturado barbaramente e depois assassinado simplesmente porque não concordava com o regime autoritário. Pouco se sabe sobre os responsáveis por essas barbaridades, ridículas ou trágicas, e NADA foi feito no sentido de responsabilizá-los alguém além de um genérico pedido de perdão do Estado brasileiro.
Espero que da próxima vez [se eu estiver vivo] a gente seja um pouco menos leviano e inconsequente com o nosso passado. Mas aí leio coisas escritas por Machado de Assis há bem mais de 100 anos atrás como "Evolução" ou "Teoria do Medalhão" e, sinceramente, acho difícil. Leviandade e inconsequência são marcas registradas da nossa cultura há muito tempo. Estamos sempre atrás de uma solução mágica para problemas complexos que não exijam muito esforço intelectual ou emocional. Basta fazermos X e todos os nossos problemas se acabam magicamente. Afinal de contas, esforço intelectual ou emocional é uma coisa "muito chata", né? Como dizia o pai-conselheiro do futuro homem de sucesso no conto do Machado, "Condeno a aplicação, louvo a denominação". Adoramos falar em coisas chiques como social-democracia ou livre-iniciativa, modernidade ou pós-modernidade, mas sair da mera denominação dá um trabalho danado e... "ai, que preguiça!" responde o Macunaíma de Mário Andrade. A cada esquina cibernética multiplicam-se os especialistas em Paulo Freire e Gramsci que nunca leram uma página dos dois autores, especialistas em educação que nunca deram uma aula, especialistas em relações exteriores que nunca estudaram diplomacia, especialistas em Venezuela que não conhecem Romulo Gallegos ou Andrés Bello.
--> Claro que a história segue mudando e cada ciclo autoritário e diferente do anterior em vários aspectos. Mas um circulo vicioso pode ser uma espiral de equívocos. Tomara que eu esteja errado. Tomara.
Aí tivemos outra ditadura que começou em 1964 e devia durar pouco - os militares do Brasil eram liberais diziam os especialistas da época. A Ditadura Militar durou pelo menos 20 anos - deveríamos contar como fim da transição a promulgação da constituição de 1988. A caça aos comunistas nas escolas e universidades e repartições e jornais destrui carreiras, vidas e famílias e criou um clima de dedo-durismo oportunista. Gente inteligente de todas as correntes, inclusive liberais moderados, foram perseguidos. Quando aquela ditadura acabou o país estava em frangalhos, com hiperinflação e recessão e saques de supermercados e bombas em bancas de jornal. Mas nós resolvemos, de novo, deixar quieto. A lei de Anistia safada em que o regime incluiu os que faziam o seu serviço sujo continua sem qualquer contestação, sendo usada para que o judiciário lave as mãos contra criminosos abomináveis daquele aparato repressor.
Meros trinta anos de democracia e em 2018 um capitãozinho de meia-tigela montado num general mequetrefe começa [a que tudo indica] mais um ciclo autoritário. O amplo apoio que hoje veio oficializado no voto, existiu também em 1937 e em 1964. As omissões e hipocrisias que nos atormentam hoje grassavam também naqueles períodos. No Estado Novo Graciliano Ramos amargou um bom tempo numa prisão decrépita por ter pisado nos calos de umas famílias elegantes em Alagoas. Casos igualmente fúteis aconteceram aos borbotões em 1964. Gilberto Gil e Caetano Veloso foram importunados e depois presos e depois forçados a um exílio de anos por falarem de coisas perigosas como "caminhar pelo vento sem lenço sem documento" ou por usar cabelo comprido e roupas "exóticas". Para não deixar que o ridículo sirva de apaziguamento vamos então a exemplos nada fúteis das duas ditaduras: Olga Benário foi deportada grávida para um campo de concentração nazista por ser comunista e o deputado Rubens Paiva foi torturado barbaramente e depois assassinado simplesmente porque não concordava com o regime autoritário. Pouco se sabe sobre os responsáveis por essas barbaridades, ridículas ou trágicas, e NADA foi feito no sentido de responsabilizá-los alguém além de um genérico pedido de perdão do Estado brasileiro.
Espero que da próxima vez [se eu estiver vivo] a gente seja um pouco menos leviano e inconsequente com o nosso passado. Mas aí leio coisas escritas por Machado de Assis há bem mais de 100 anos atrás como "Evolução" ou "Teoria do Medalhão" e, sinceramente, acho difícil. Leviandade e inconsequência são marcas registradas da nossa cultura há muito tempo. Estamos sempre atrás de uma solução mágica para problemas complexos que não exijam muito esforço intelectual ou emocional. Basta fazermos X e todos os nossos problemas se acabam magicamente. Afinal de contas, esforço intelectual ou emocional é uma coisa "muito chata", né? Como dizia o pai-conselheiro do futuro homem de sucesso no conto do Machado, "Condeno a aplicação, louvo a denominação". Adoramos falar em coisas chiques como social-democracia ou livre-iniciativa, modernidade ou pós-modernidade, mas sair da mera denominação dá um trabalho danado e... "ai, que preguiça!" responde o Macunaíma de Mário Andrade. A cada esquina cibernética multiplicam-se os especialistas em Paulo Freire e Gramsci que nunca leram uma página dos dois autores, especialistas em educação que nunca deram uma aula, especialistas em relações exteriores que nunca estudaram diplomacia, especialistas em Venezuela que não conhecem Romulo Gallegos ou Andrés Bello.
--> Claro que a história segue mudando e cada ciclo autoritário e diferente do anterior em vários aspectos. Mas um circulo vicioso pode ser uma espiral de equívocos. Tomara que eu esteja errado. Tomara.
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