Skip to main content

Leituras da semana




1. Ainda as crônicas de um jovem Machado de Assis editadas com notas por Lúcia Granja e Jefferson Cano, livro que terminei de ler:

Ainda no quesito das críticas políticas incisivas que contradizem a versão do personagem público absenteísta e mesmo indiferente aos acontecimentos. No dia 24 de março de 1862 Machado de Assis bate duro no governo que levantava notícias falsas de uma revolta liberal. Seria aquilo que hoje se chama, por modismo, de fake news, como se isso não fosse parte do dia-a-dia político brasileiro desde o império, ou factoide, se preferirem. Apontando a absoluta falta de fontes e ainda no uso de uma apreensão de rotina de pólvora numa fabriqueta de fósforos, Machado de Assis não mede palavras:

Insisto na minha apreciação: o ministério estéril, tacanho, rameraneiro, como é, busca a confiança imperial na prevenção de revoltas imaginárias.
E o jogo é bonito e fino. Passando, como há de passar, o dia 25 sem demonstração alguma, é ao terror das medidas anteriormente tomadas que se atribuirá a tranquilidade da festa. (189)

E se no quesito das críticas literárias Machado de Assis costuma pegar leve nos seus “Comentários da Semana”, ele não se furta de ser contundente também:

Pode-se dizer que o nosso movimento literário é dos mais insignificantes possíveis. Poucos livros se publicam e ainda menos se lêem. Aprecia-se muito a leitura superficial e palhenta, do mal travado e bem acidentado romance, mas não passa daí o pecúlio literário do povo. (189)

2. Andrés Bello poeta
Andrés Bello é um nome central do século XIX na América Latina de língua espanhola. Venezuelano, Bello foi tutor de ninguém menos que Simón Bolívar e atuou como diplomata por vários anos em Londres. Na volta ao continente, Bello encontra instabilidade, violência e autoritarismo no seu país natal e acaba se estabelecendo no Chile, onde tem papel importante na construção da universidade e na cultura do país. Essa semana estou às voltas com os dois poemas mais famosos de Bello, de escopo continental, um certo romantismo meio árcade e um duro com os banhos de sangue que abrem as independências e continuam a acontecer do México até o Cone Sul. Eis alguns trechos especialmente marcantes:

Afortunados dias
de gozo y regocijo,
estación de abundancia,
alegre imagen del dorado siglo,
!Que pronto en noche oscura
os habeis convertido!
!Que tenebrosa sombra
sucede a vuestro lustre primitivo!

Numa rápida transição, Bello na estrofe acima vai do elogio à abundância da natureza da América à tenebrosa sombra da historia humana no continente. Abaixo uma das descrições mais marcantes da miséria que é a opressão colonial:   

entronizado el tribunal de espanto,
que llama a cuentas el silencio, el llanto,
y el pensamiento a su presencia cita,
que premia al delator con la sustancia
de la familia mísera proscrita,
y a peso de oro, en nombre de Fernando,
vende el permiso de vivir temblando;

Ou ainda os desastres da guerra, como um Goya fazendo arte com o document visceral da violência no trecho abaixo:

Alli noto que arrojan
al hoyo confundidos
en espantosa mezcla
con cadáveres yertos cuerpos vivos.




Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema