Vi a chegada dos péro em Pernambuco e Potiú; e começaram eles como vós, franceses, fazeis agora. De início, os peró não faziam senão traficar sem pretenderem fixar residência. Nessa época, dormiam livremente com as raparigas, o que os nossos companheiros de Pernambuco reputavam grandemente honroso. Mais tarde, disseram que nos devíamos acostumar a eles e que precisavam construir fortalezas, para se defenderem, e edificar cidades para morarem conosco. E assim parecia que desejavam que construíssemos uma só nação. Depois, começaram a dizer que não podiam tomar as raparigas sem mais aquela, que Deus somente lhes permitia possuí-las por meio do casamento e que eles não podiam casar sem que elas fossem batizadas. E para isso eram necessários paí. Mandaram vir os paí; e estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem eles nem os paí podiam viver sem escravos para os servirem e por eles trabalharem. E, assim, se viram constrangidos os nossos a fornecer-lhos. Mas não satisfeitos com os escravos capturados na guerra, quiseram também os filhos dos nossos e acabaram escravizando toda a nação; e com tal tirania e crueldade a trataram, que os que ficaram livres foram, como nós, forçados a deixar a região.”
Assim aconteceu com os franceses. Da primeira vez que viestes aqui, vós o fizestes somente para traficar. Como os peró, não recusáveis tomar nossas filhas e. nós nos julgávamos felizes quando elas tinham filhos. Nessa época, não faláveis em aqui vos fixar; apenas vos contentáveis com visitar-nos uma vez por ano, permanecendo entre nós somente durante quatro ou cinco luas. Regressáveis então a vosso país, levando os nossos gêneros para trocá-los com aquilo de que carecíamos.
Agora já nos falais de vos estabelecerdes aqui, de construirdes fortalezas para defender-nos contra os nossos inimigos. Para isso, trouxestes um Morubixaba e vários Paí. Em verdade, estamos satisfeitos, mas os peró fizeram o mesmo.
Depois da chegada dos Paí, plantastes cruzes como os peró. Começais agora a instruir e batizar tal qual êles fizeram; dizeis que não podeis tomar nossas filhas senão por espôsas e após terem sido batizadas. O mesmo diziam os peró. Como êstes, vós não queríeis escravos, a princípio; agora os pedis e os quereis como êles no fim. Não creio, entretanto,
que tenhais o mesmo fito que os peró; aliás, isso não me atemoriza, pois velho como estou nada mais temo. Digo apenas simplesmente o que vi com meus olhos.
Depoimento do ancião tupinambá Momboré-açu aos franceses e aos seus no Maranhão em 1612, como anotado por Claude d’Abbeville (115-6)
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