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As coisas não estão indo nada bem

 


As coisas não estão nada boas, tanto aqui nos Estados Unidos como no Brasil. Não estou querendo falar dos eventos atuais, relacionados, por exemplo, com as eleições aqui e o que vai acontecer depois. A conjuntura é um assunto exaustivo e nos desvia do fato de que as coisas não vão muito bem e tem sido assim há bastante tempo. 

Lembro-me agora da ideia de que o capitalismo precisa se expandir continuamente, sempre destruindo e construindo coisas pelo caminho, sempre incansável. Essa expansão já foi principalmente geográfica: a propriedade e o mercado e as suas prioridades. Desde algum tempo tem ficado mais clara para mim a expansão do capitalismo para dentro de espaços que, antes, ele era obrigado a compartilhar com outros valores e outras prioridades. Assim tem sido com a educação, a saúde, as relações sentimentais, o sexo. De espaços compartilhados, vamos tendo que viver em espaços onde somos totalmente subjugados pelas prioridades do capitalismo. 

Prioridade irredutível: se algo ou alguém não produz lucro, algo ou alguém não merece viver. Não há razão que se oponha a esse princípio absoluto. Se não é capaz de "gerar valor", é melhor morrer. Somos assim reduzidos a máquinas produtoras de dinheiro com os pés aparafusados dentro de fábricas produtoras de dinheiro. Dinheiro e miséria. Miséria espiritual, profunda. Os sintomas dessa miséria: depressão ou ansiedade. 

Percebo que vou mantendo essa conversa em generalidades. Não quero descer a histórias específicas, detalhadas, de como essas coisas tem afetado a minha vida. É doloroso e talvez melodramático em excesso. Pessoal, embaraçoso, talvez. Melhor continuar bem aqui em cima, na esfera das estrelas.

Quando digo capitalismo, penso em dois discursos complementares: de um lado a racionalidade austera da produção [é preciso sempre conseguir fazer mais gastando menos] e do outro a irracionalidade hedonista do consumo [quanto mais você gasta melhor você é]. São discursos que justificam as loucuras que nos atormentam: as baleias iam ser extintas pela caça indiscriminada [cada vez mais eficiente] em busca de lucro; agora vão ser extintas com os estômagos entulhados de bilhões de sacos plásticos e outros tipos de lixo humano. E o que faz uma baleia viva para o capitalismo? Em busca de uma resposta, os bem-intencionados [de cujas intenções o inferno está abarrotado] tentam promover o turismo-voyeur para atormentar os bichos no mar. 

Seria preciso muito mais para pelo menos alterar pelo menos um pouquinho um curso desastroso rumo a um colapso completo. E me espanta que os tubarões fiquem apenas esperando pela tal "volta ao normal", como se o tal "normal" não fosse justamente o que nos trouxe a essa crise.   

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