Flávia Cera tem um blogue muito interessante. Concordo com algumas coisas e discordo de outras, mas o que me atrai no blogue dela é o tom, um tom que eu agora percebo presente em muitos, mas não todos os meus blogues favoritos. Digo isso inspirado também por uma conversa que tive com a minha cara-metade sobre essas eleições e sobre um certo alívio de não ter que encontrar certas pessoas e ouvir certas barbaridades. Eu não acho que a barbaridade seja só uma questão de conteúdo, mas também de tom. Esse tom dos blogues de que eu estava falando é o tom das conversas que eu gostaria de ter nesses tempos difíceis. Porque uma opinião pode ser contundente e um discurso crítico pode estar engajado mas essa opinião contundente não precisa ser bélica e esse discurso crítico não pode ser panfletário.
Acho que essa campanha eleitoral está sendo marcada pelos limites da nossa cultura autoritária, intolerante, violenta. A declaração de voto agora quase vira declaração de guerra, porque os defensores do outro candidato invariavelmente, quase instantaneamente, começam a atirar insultos [ingênuo, babaca, otário, hipócrita, fanático, cínico, etc]. Acho que o voto em Serra é um tremendo equívoco, mas faço questão de aceitar que os outros votem no Serra também. E assim eu penso: "se pudermos conversar sobre o assunto, tudo bem; se não der então vamos ter que mudar de assunto" - só que mudar de assunto não nos interessa porque certos assuntos, como o aborto, a legalização das drogas e o casamento entre pessoas do mesmo sexo têm que ser discutidos mesmo. O debate entre opiniões contrárias no Brasil freqentemente descamba da contundência para o xingamento e daí chega às vias de fato, porque nós somos autoritários, intolerantes, violentos; mas não podemos silenciar.
Eu me lembro de uma entrevista com Helio Oiticica para um livro sobre a polêmica das Patrulhas Ideológicos no final dos anos 70. O entrevistador pergunta a ele quais as perspectivas para a implantação do socialismo no Brasil e ele se vira e diz assim: “Socialismo no Brasil? Eu estou achando quase impossível, o Brasil é um país bem fascista…”
Eu espero apenas que essa vertente fascista da cultura brasileira fique cada vez mais visível para que assim mais gente se disponha a combatê-la de frente, oferecendo um outro discurso, capaz de contundências mas com respeito e uma certa dose humildade, coisas que fazem parte da nossa cultura também.
Comments
estou tão contente, mas tão contente! Obrigada demais. E você cita o Hélio bem no dia que estou fazendo uma "sexta com hélio oiticica" no tuiter e revirando a maravilha que é o arquivo dele.
Vou te contar um causo: eu tenho um amigo que eu amo demais e é o serrista mais chato que encontrei na minha frente (ele votou na Marina no 1º turno e vai de Serra no 2º). Mas é com ele que tenho as melhores conversas. Passamos horas e horas discordando e é uma delícia. Insisto que ele está "errado", mas sou incapaz de não ouvi-lo.
Hélio era um gênio. Estava aqui lendo as respostas dele a uma entrevista ao Ayala e ele diz que toda atividade não-repressiva é automaticamente política. E ele está certo: o resto é insulto. E isso não quer dizer que seja uma harmonia plena, um consenso. Hélio também dizia que não era pela paz, que a achava inútil e fria. Mas conversar é de outra ordem, está mais perto da abertura ao outro do que da paz.
Paulo, você deixou minha sexta muito feliz. Obrigada mesmo, é muito bom saber que meu tom é audível mesmo sendo um grito.
Um abraço.
Não sei se você se lembra mas no comício das "Diretas já " , fomos juntos a Av. Afonso Pena e tínhamos , sei lá 14,15 anos.Os jovens de hoje não querem mais saber de nada...Onde estão? Nos bares, nas raves e outros mais.
Independente do lado a ser votado , os políticos perderam a ideologia e a vergonha na cara ! Foi-se a ideologia em detrimento do poder , dinheiro , etc.
Na verdade a tal chamada "década perdida"(anos 80), foi muito mais rica do que imaginamos! Sorte a sua que mora longe desta bagunça em que vivemos. Abraços, Luís Heitor