Skip to main content

Prosa Minha: Moctezuma Existe

Moctezuma existe
"Carro apertado é que canta"
dos Ditados Impopulares


            Moctezuma existe. Está no mapa; pode procurar. Fica no norte do estado, perto da Bahia. Parece que ninguém sabe disso nem em Belo Horizonte, que é um lugar que, eu garanto, também existe, ainda que muitos duvidem. Meu projeto pessoal, minha contribuição social, municipal, estadual, nacional, universal enfim, é convencer primeiro Belo Horizonte, depois o Brasil (metonímia de Rio de Janeiro e São Paulo, pelo menos para quem vive em São Paulo ou Rio de Janeiro) e finalmente o mundo inteiro, que Moctezuma existe.
            Mas, você deve se perguntar, por que? Lá nunca nasceu alguém importante, nunca houve ouro nem diamante, nenhuma grande batalha, nenhum bandido famoso, nenhum desastre terrível, nenhuma igreja barroca, nenhum metal radioativo, nada. Se eu dissesse que temos lindas termas e fontes de água mineral cristalina, eu sei o que você pensaria: “viajar 600 kilômetros de sertão mineiro prá tomar um banho e beber um copo d’água?”
            Nada disso. Moctezuma existe e o que temos para oferecer ao mundo é um modo de vida em que vigoram sempre a harmonia e a paz.
            Aqui, uma vez por ano, escolhemos a dedo um jovem saudável e belo para o que nossos antepassados chamavam de Auto das Flores. Hoje em dia alguns, mais modernos e ligados a costumes de fora, chamam o Auto das Flores de aniquilamento seletivo ou execução extra-judicial. O jovem saudável e belo que escolhemos vem sempre da mesma família, os Moreiras; porque os Moreiras são muitos e não fazem a menor falta nos outros 364 dias do ano. O crescimento da cidade já fez com que alguns propusessem que escolhêssemos mais de um Moreira por ano, mas o padre da cidade nos ofereceu um argumento irrefutável: na Missa uma hóstia, por mais fina e delicada, continua sagrada, e molhada, mesmo no vinho mais ralo, é corpo e sangue de Cristo.

            O coração humano, como o conhecemos, é uma carne fibrosa, mas doce. Não recomendo um assado inteiro porque a carne fica dura e não entranha bem o tempero, por mais forte que ele seja. Repito: por mais magnífica que seja a aparência do coração quando extraído de um corpo vivo ainda pulsante e, num breve instante de jorro e gozo, mais vivo que o corpo do qual o separamos, não se engane: assado inteiro, o tempero não entranha direito e a carne fica seca e dura.
Abro um rápido parêntesis: certamente o coração, em seus últimos estertores ou mesmo assado inteiro, é muito mais bonito que o miserável cérebro humano, essa carne amarga, babosa, arenosa, que apenas moemos e damos aos porcos. Neste parêntesis abro outro parêntesis, ainda mais sucinto, agora sobre os porcos: damos o cérebro ao porco, o porco come o cérebro e, no fim das contas, comemos o porco.
Sobre o coração, portanto, não se esqueça: assada inteira, a carne cordial fica dura e fibrosa. O coração de um Moreira limpa-se com faca de ponta; corta-se em filetes bem finos; refoga-se com alho, cebola e um par de folhas de louro; depois mais duas xícaras de água morna e então pelo menos trinta minutos na panela de pressão; finalmente acrescenta-se um bom molho de água e sal, fubá e ora-pro-nobis.
            E depois: a harmonia e a paz.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema