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Retrato de George Dyer no Espelho de Francis Bacon | |
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Depois de morar quase 10 anos nos Estados Unidos, acho impressionante como alguns compatriotas meus se sentem tão à vontade em identificar-se com a Europa Ocidental. Essa Europa a que me refiro [cujo miolo central seriam Inglaterra, França, Alemanha] já olha com desprezo para os "moreninhos" espanhóis e portugueses e certamente ririam incrédulos se ouvissem qualquer brasileiro falar em "nossa" civilização ao referir-se à cultura ocidental. Só consigo me lembrar de um dia em que vi um belorizontino desprezando gente do norte de Minas exatamente nos mesmos termos em que certos paulistas desprezam todos os mineiros, os mesmos termos em que certos habitantes dos Estados Unidos desprezam paulistas e todos os outros istas e astas, anos e inos ao sul da fronteira com o México. Ou do dia em que testemunhei um paulistano tentar convencer um bando de estadounidenses incrédulos que o Brasil "ou pelo menos São Paulo" não tinha nada que ver com a América Latina [glosando sem querer Eduardo Prado, um daqueles nossos monarquistas inconformados com a República].
É impressionante que depois de mais de um século alguém ainda se diga chocado com gente ilustre e vetusta como Hegel ou Burckhardt garantindo que não existe nem civilização nem história além daquela peninsolazinha da Ásia que os Europeus tem o topete de chamarem de "continente". Lá estão eles e muitos outros do seu Olimpo Cultural rindo dos nossos pedantismos: "Ah, esse bando de sudacas selvagens... são na melhor das hipóteses bárbaros domesticados". Não enxergar essa imagem que esses outros que prezamos tanto têm de nós mesmos é compreensível porque esse é um espelho que reflete sempre uma imagem muito feia e olhar para ele durante muito tempo muito de perto é altamente nocivo à saúde mental da gente. É um luxo que só pode ter quem mora longe daqui. Eis o principal calcanhar de Aquiles de muitas das nossas melhores cabeças: a idealização embasbacada do processo de mdoernização nesse miolo ocidental.
O resto eu já escrevi num capítulo do meu livro pela UFMG chamado "Aprendizado pela Cegueira"...
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