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Li um texto interessante de Stuart Hall escrito na época do pesadelo Thatcher sobre as ideias de Gramsci [original em inglês aqui]. Traduzi alguns trechos fundamentais com bastante liberdade e a pressa habitual com quase tudo que sai nesse meu pobre quintal virtual. Aí vai:
4. Sobre ideologia e contradições:
7. Algo sempre importante a se considerar:
Stuart Hall |
1. Creio que essa primeira passagem vale
para o interesse intelectual honesto em qualquer candidato a "profeta do Velho Testamento",
seja ele Marx, Foucault, Deleuze, Derrida e cia aparentemente
ilimitada:
"Não quero dizer que Gramsci tem as respostas ou possui a chave para nossos problemas atuais. Creio, sim, que devemos pensar nossos problemas de uma forma Gramsciana - que é uma coisa diferente. Não deveríamos usar Gramsci (como temos abusado por tanto tempo de Marx) como um profeta do Velho Testamento que, no momento correto, nos oferecerá uma passagem apropriada e consoladora a citar.”
2. Hall chama o projeto de Thatcher de "modernização regressiva", exatamente aquilo que nós no Brasil chamamos a muito mais tempo de "modernização conservadora". Não deixa de ser curioso [espantoso, na verdade] ver aplicado ao caso inglês [logo onde!] essa fetichização da "civilização burguesa moderna" como algo desejável a se atingir, fetiche que afeta tanta gente inteligente e interessante no pensamento brasileiro desde os anos 50.
“... um dos fatos históricos mais profundos da formação social britânica: que ela nunca entrou propriamente na era da civilização burguesa moderna. Ela nunca vez aquela passagem para a modernidade. Ela nunca institucionalizou, em sentido adequado, a civilização e as estruturas do capitalismo avançado [...]. Ela nunca transformou suas velhas estruturas industriais e políticas. [...] A Grã-Bretanha nunca sofreu aquela profunda transformação que, no fim do século XIX, remodelou tanto o capitalismo como a classe trabalhadora. “
“Quando a Esquerda fala sobre crise, tudo o que vemos é o capitalismo se desintegrando e nós marchando e assumindo o poder. Não compreendemos que o rompimento do funcionamento normal da velha ordem cultural, social e econômica dá a ela uma oportunidade de reorganizar-se de novas maneiras, de se reestruturar e remodelar, de modernizar-se e seguir adiante”.
“Em nosso intelectualismo, pensamos que o mundo vai entrar em colapso como resultado de uma c ontradição lógica: é a ilusão do intelectual de que a ideologia deve ser coerente, cada pedaço se encaixando aos outros, feito uma investigação filosófica. Na verdade, [...] uma ideologia orgânica articula em uma configuração sujeitos diferentes, identidades diferentes, projetos diferentes, aspirações diferentes. A ideologia não reflete mas, sim, contrói uma "unidade" a partir da diferença."
5. Sobre a efetividade e eloquência de certas ideologias conservadoras:
“O
Thatcherismo, como uma ideologia, da conta de medos, ansiedades, identidades perdidas de um povo. Ele nos convida a pensar sobre política em imagens. Ele aborda nossas fantasias coletivas, nossa comunidade imaginária, nosso imaginário social”.
“Não há sujeito histórico unitário. O sujeito é necessariamente dividido, um conjunto: uma metade na Idade da Pedra, outra contendo 'princípios avançados da ciência, preconceitos trazidos de fases antigas da história, intuições de uma futura filosofia. Essas coisas todas lutam dentro dos corações e mentes das pessoas para achar uma forma de se articular politicamente. É possível recrutá-las para projetos políticos radicalmente diferentes, é claro.”
Gramsci é um dos primeiros marxistas modernos a reconhecer que os interesses não são simplesmente dados mas que têm que ser construídos politicamente e ideologicamente.
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