Colagem minha: Lendo Ruffato |
A preocupação central do capitalismo é o lucro/prejuízo, a grossíssimo modo, a diferença entre o custo de produzir algo e o ganho com a venda desse algo. Digamos que daí se origina todo o discurso sobre eficiência, que é o lado racionalista do capitalismo. O outro lado, o que origina um discurso irracionalista e hedonista, é aquele que alimenta a sociedade do consumo, movida além da necessidade pelo desejo gerado pelo mundo da publicidade.
Esse texto é sobre o discurso da eficiência produtiva e é sobre ele que eu quero escrever aqui brevemente. Há muito
tempo que o discurso da administração/gerenciamento é produzido pelo capital
para além dele mesmo. Em uma contínua expansão, logo que é articulado ele sai das
empresas capitalistas para a administração pública, e dali para a administração
do lar e da vida privada. Seu vocabulário e sua sintaxe vão sendo exportados
para a reflexão sobre todos os aspectos da experiência humana por divulgadores incansáveis
desse discurso em todos os meios de comunicação.
De forma
bastante esquemática, eis o esqueleto do seu evangelho: assim como se
administra/gerencia um negócio no sentido de sua máxima eficiência produtiva,
deveríamos administrar/gerenciar o estado, a saúde, a segurança, a alimentação,
a educação, a carreira profissional, a vida espiritual, a vida privada, todos os
relacionamentos afetivos etc. Somos convidados a imaginar que simplesmente tudo
na vida se expressa em termos da relação custo e benefício numa cadeia
produtiva e que essa expressão pode e deve ser mensurada numericamente em índices
– do índice de eficiência ao índice de satisfação, e deste ao índice de felicidade
e do desenvolvimento humano. Mensurar tudo numericamente é fundamental para que
então possamos escolher o que fazer e como fazê-lo com “objetividade”. Tudo que
diz respeito ao ser humano deve ser “produtivo” – trazer uma relação
satisfatória entre custo e benefício que possa ser mensurada em números.
Esse discurso
da administração/gerenciamento transformou a política em administração do poder.
Com isso qualquer diferença radical entre um governo de direita e um governo de
esquerda foi dissolvida numa disputa entre duas propostas de “gestão eficiente”
que devem convencer o cliente/eleitor potencial. Essa política como administração
do poder trabalha sempre em torno da mais pronta e efetiva satisfação de todas
demandas do capital, que o discurso da administração/gerenciamento personaliza
como um ente cheios de poder e caprichos que atende pelo nome de “Mercado”. Toda
ação política é então medida pela sua eficiência em fazer com que o Mercado “reaja
bem”, primeiro no curto horizonte do dia de hoje, depois desta semana, depois deste
mês e finalmente deste ano - o "horizonte de expectativa" se transforma em nada mais que uma manchete vazia no jornal de hoje que embrulha o peixe velho de amanhã. Esse “reagir bem” é determinado por uma série de
mensagens “objetivas” é o único norte da política como administração do poder. Os
desarranjos periódicos do capital são sempre culpa de um grupo político que,
estando no comando do poder, não soube administrar o estado em harmonia com os “desejos
e necessidades” do Mercado. Um grupo político deve ser então substituído por
outro, que promete durante a campanha eleitoral administrar com mais eficiência
o mínimo de recursos e gerar com eles o máximo de benefícios. Com o passar dos
anos, o sofrimento palpável que essas crises produzem faz nascer um discurso
anti-institucional radical. Não é de se admirar que num contexto como esse,
onde o estado invariavelmente faz o papel de vilão que “atrapalha” o mercado, a
figura do homem de negócios bem-sucedido – esse mago/guru da
administração/gerenciamento – seja o candidato político mais sedutor para o paradoxal
posto de político anti-política.
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