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Showing posts from April, 2018

3. Esse monstro chamado "público geral"

Freud já avisava numa nota de pé de página meio melancólica que os conceitos “masculino” e “feminino” eram conceitos científicos por demais vagos e imprecisos. Os dois são difíceis de definir pela sua tendência a transformar-se em espelhos que simplesmente refletem os limites e possibilidades da cultura e da imaginação de quem os formula. Você tenta definir masculino e feminino e termina oferecendo um documento transparente e preciso daquilo que você acredita ser o masculino e o feminino. Como o conceito de raças entre os seres humanos, a ideia de um masculino e um feminino existem objetivamente porque as pessoas acreditam neles. Como várias outras invenções culturais, essa ideia muda com o tempo e muda de lugar para lugar. Nada disso é particularmente interessante para mim, porque pertence ao campo do óbvio para quem estuda o assunto. Entretanto quem estuda as chamadas ciências humanas sabe muito bem que fora do seu meio acadêmico mais restrito é preciso reiterar...

2. Ainda um espaço

Então o mundo se modificou radicalmente nos últimos 30 anos. Eu acredito que em alguns poucos setores melhoramos bastante, e acho que essas melhoras são legados que me fazem pensar nos meus filhos como pessoas de sorte. Mas para cada mudança positiva, eu infelizmente vejo também uma mudança para pior. Um paradoxo: como é que podemos viver simultaneamente numa sociedade cada vez mais e cada vez menos tolerante com relação a diferenças diversas? Cada movimento no sentimento da abertura a outras escolhas de vida, a outras formas de interação, parece vir acompanhado por uma reação brutal a essas melhorias. Uma onda reacionária carregada de ódio parece se articular lá no fundo dos cafundós da internet e os reacionários de sempre se sentam confortavelmente na poltrona e assistem indiferentes ao massacre eminente. Como não desconfiar que estamos caminhando para um precipício neo-fascista? No Brasil, penso que podemos estar bem perto de experimentar algo numa escala e intensidade inéditas. ...

1. Um espaço cheio de silêncio e serenidade

Eu nasci numa época em que era preciso estar sempre com sede de informação. A informação chegava através da televisão com cinco canais, dos cinco jornais [dois de SP, dois do RJ e um local], das revistas, dos discos de vinil e dos livros. O rádio era um deserto com pouquíssima variedade. Não era possível simplesmente pensar num assunto, numa pessoa ou num livro e encontrar informação abundante sobre ele. Todos esses poucos e parcos meios de comunicação eram comprometidos com interesses e tentavam agradar a um monte de públicos diferentes ao mesmo tempo, então às vezes tudo o que eu podia ter era uma nota de um parágrafo durante um ano inteiro. Então eu aprendi a estar sempre atento a tudo e a viver com sede de informação. Quando eu cheguei à vida adulta o mundo começou a sofrer uma série de transformações que nos trouxeram até aqui: uma abundância aparentemente infinita de informação [e desinformação]. Hoje eu me vejo nem um pouco preocupado com a sede, mas sim com uma abundância des...

Of Montreal - The Past is a Grotesque Animal

The past is a grotesque animal and in its eyes, you see How completely wrong you can be How completely wrong you can be The sun is out, it melts the snow that fell yesterday Makes you wonder why it bothered I fell in love with the first cute girl that I met Who could appreciate Georges Bataille Standing at a Swedish festival Discussing  Story of the Eye Discussing  Story of the Eye It's so embarrassing to need someone like I do you How can I explain? I need you here and not here too How can I explain? I need you here and not here too I'm flunking out, I'm flunking out I'm gone, I'm just gone But  at least I author my own disaster At least I author my own disaster Performance breakdown and I don't want to hear it I'm just not available Things could be different, but they're not Oh, oh, things could be different, but they're not The mousy girl screams, "Violence, violence!" The mousy girl screams, "Violence, violence!" She gets h...

Relendo Frederick Douglass

1. Frederick Douglass manifesta logo na abertura do seu livro que gostaria muito de saber seu aniversário e quantos anos tinha desde que era uma criança. Aos escravos não se dá uma noção de origem, de começo de biografia. Sua curiosidade é ao mesmo tempo perigosa, possivelmente tomada como indício de um espírito inquieto e, portanto, fonte de desconfiança. 2. Já logo de saída Douglass também afirma o seu caráter de mulato que é marca, de novo, de uma humanidade marcada desde o começo pela mais extrema privação: ele sabe que seu pai é um branco, supõe que seja o produtor/proprietário, provavelmente é o dono da fazenda, da sua mãe e dele mesmo. Ao contrário das afirmações comuns desde o período colonial de que o mulato/mestiço viveria uma espécie de paraíso, o mulato é fonte de intriga e conflito entre o senhor e sua esposa legítima e por isso é frequentemente vendido. 3. Ser mulato num livro que é mais que simples biografia, obra abolicionista, também significa destruir o argumento ...

Traduzindo: O Complexo Industrial do Branco-Salvador de Tejo Cole

O Complexo Industrial do Branco-Salvador Teju Cole, 21 de março de 2012 [Publicado na revista Atlantic ]   Se vamos nos meter na vida dos outros, um pouco de escrúpulo é o requerimento mínimo. Faz uma semana e meia eu assisti ao vídeo Kony2012. Escrevi em sequência uma breve resposta dividida em sete partes, que postei em sequência na minha conta do Tuíter: 1.      Do Goldman-Sachs ao colunista Nicholas Kristof passando pelo movimento Invisible Children e as conferências TED, a indústria que mais cresce nos Estados Unidos é o Complexo Industrial do Branco-Salvador. 2.      O Branco-Salvador apoia políticas de violência de manhã, patrocina instituições de caridade à tarde e recebe prêmios à noite. 3.      A banalidade do mal se transmuta na banalidade do sentimentalismo. O mundo inteiro não passa de um problema a ser resolvido pelo seu entusiasmo. 4.      Esse m...