Encerro sete dias de luta em luto com esse último poema de Carlos Drummond de Andrade sobre tempos difíceis. O poeta está cansado de preconizar "a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção" mas também nos alerta sobre a tentação orgulhosa que é essa "pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva". Não podemos perder. Ainda não perdemos. Não estamos sozinhos. Caetano, um exemplo vivo de que o Brasil não é podre, lê o poema e depois comenta:
Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo
caduco,
onde as formas e as ações não
encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos
universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro,
fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade
em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia,
o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas
chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de
sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de
aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas
te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a
existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de
indecifráveis palmeiras.
Caminhas por entre os mortos e com
eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e
negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores
horas de amor.
Ao telefone perdeste muito,
muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de
confessar tua derrota
e adiar para outro século a
felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o
desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho,
dinamitar a ilha de Manhattan.
Comments