Skip to main content

Ah, se fosse nos Estados Unidos...

Está na moda os brasileiros odiarem o Brasil. Problemas seríssimos são atribuídos a alguma essência maléfica dos brasileiros. Ironicamente os que fazem isso são os mesmíssimos brasileiros. Isso mesmo sabendo que mazelas terríveis do nosso país afetam outros países também. Por exemplo, se o nosso presidente lamentável é fruto de alguma ruindade brasileira, seriam brasileiros infiltrados pelo mundo os responsáveis por líderes igualmente lamentáveis pelo mundo afora? Esse ódio profundo ao Brasil é curiosamente paroquial - ignora olimpicamente tudo o que acontece fora do Brasil. Um feijão bichado, um engarrafamento, uma briga de rua - tudo é sinal da nossa podridão, tudo é culpa de nosso espírito horrível, tudo é fruto de nossa natureza nefasta.

Escolhi a esmo oito coisas acontecidas recentemente aqui nos Estados Unidos. Quando coisas assim acontecem eu sempre me viro para minha companheira e brinco: "se fosse nos Estados Unidos...":
 
1. Temos assinatura do jornal no fim de semana (sexta, sábado e domingo) e pela terceira semana seguida não recebemos o jornal direito;

2. Uma obra interminável se arrasta pelas ruas vizinhas à universidade há meses, empoeirando tudo e atrapalhando o trânsito;

3. Uma escola registrava alunos fantasmas para receber dinheiro do governo estadual - uma parte da bolada era destinada às famílias como suborno para que elas fossem cúmplices;

4. Para marcar a prova e direção do meu filho no DMV (DETRAN) é preciso esperar no mínimo um mês ou então se plantar na porta do DMV duas horas antes dele abrir e rezar para que eles te deixem fazer a prova sem marcar;

5. Todos os meses pagamos a conta de água e todos os meses recebemos cartas ameaçadoras dizendo que vão cortar a água por inadimplência;

6. A água da nossa cidade, durante certos meses de seca, dá diarréia na gente, mesmo depois de filtrada. Sabemos porque ficamos os quatro grudados no vaso sanitário até começar a comprar água engarrafada, que custa mais caro que gasolina;

7. Um surto de envenenamento por consumo de carne de porco aqui causou até mortes. Investigadores sanitários descobriram o açougue, e daí o matodouro, e daí um número de fazendas de onde poderia os animais doentes. Não puderam entrar nas fazendas. A indústria poderosíssima da carne não permitiu.

8. Recomenda-se que pelo menos 95% das crianças sejam vacinadas contra o sarampo. No meu estado o número de crianças vacinadas contra o sarampo é de um pouco mais de 33%.


Comments

André said…
Ótimas observações, Paulo! Nossa eterna síndrome de vira-lata colonizado costuma ter um talento ímpar para admirar a grama vizinha sem o mínimo senso crítico.
E sacam do bolso a explicação mágica de que o brasileiro é o pior ser humano do planeta.

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...