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Porque eu amo o México

O mexicano Gabino Barreda lê "Oración cívica" em público pela primeira vez em setembro 1867, celebrando a independência e principalmente a vitória final dos mexicanos contra os invasores franceses e seus aliados conservadores. Ele termina o ensaio com uma espécie de resumo das expectativas com relação ao país do liberalismo mexicano, já sob influência do positivismo:

"Que en lo sucesivo una plena libertad de conciencia, una absoluta libertad de exposición y de discusión dando espacio a todas las ideas y campo a todas las inspiraciones, deje esparcir la luz por todas partes y haga innecesaria e imposible toda conmoción que no sea puramente espiritual, toda revolución que no sea meramente intelectual, Que el orden material, conservado a todo trance por los gobernantes y respetado por los gobernados, sea el garante cierto y el modo seguro de caminar siempre por el sendero florido del progreso y de la civilización."

Muita fé no progresso, dentro de uma ordem liberal que promovesse um avanço espiritual e intelectual identificado firmemente com a civilização [européia, completo eu].

Praticamente meio século depois Manuel Gamio publica Forjando patria. Ainda, de certo modo, sob influência tanto do liberalismo mexicano como do positivismo comtiano, Gamio acrescenta um item importante, fruto dos seus estudos com Franz Boas (antropólogo que também foi professor de Gilberto Freyre e deu conferências no México): uma compreensão aguda da continuidade problemática entre os regimes coloniais e os pós-coloniais nas Américas. No meio de um conturbado processo revolucionário, Gamio explica eloquentemente a necessidade fundamental de reconhecer e romper com essa continuidade:

"Desgraciadamente, en casi todos los países latinoamericanos se desconocieron y se desconocen, oficial y particularmente, la naturaleza y las necesidades de las respectivas poblaciones, por lo que su evolución ha sido siempre anormal. En efecto, la minoría formada por personas de raza blanca y de civilización derivada de la europea, sólo se ha preocupado de fomentar su propio progreso dejando abandonada la mayoría de raza y cultura indígenas."

O seu gesto é o de conhecer o outro [através da antropologia] para construir uma nação que seja de todos. Mais de cem anos depois, pelo menos no Brasil, estamos andando para trás em relação ao que Gamio escrevia em 1916. Ao contrário de intelectuais brasileiros com semelhante pontos de vista (como Manoel Bonfim), Gamio tem oportunidade de fazer imensas colaborações à educação, antropologia e arqueologia no México em duas oportunidades: entre 1913 e 1926 e depois na presidência de Ernesto Cárdenas. Quem tiver a oportunidade de visitar o México, poderá ver muito concretamente a marca desse trabalho no sensacional Museu de Antropologia e no trabalho de recuperação de ruínas pré-hispânicas. 


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