Skip to main content

Poesia Contemporânea

Quando algumas pessoas falam sobre poesia [ou prosa] contemporânea no Brasil, sinto um certo ranço saudosista, dos bons tempos em que a produção era bem menor e os grandes mestres modernistas escreviam seus clássicos. Só que esse saudosismo é alimentado por uma visão altamente distorcida do nosso passado recente. A produção não era tão pequena assim e muita porcaria foi escrita naquela época e depois completamente esquecida e os tais clássicos modernistas não eram absolutamente vistos assim.
Há quem se queixe da falta de “direção” da poesia contemporânea e critique o “ecletismo” em vigor. Essa tal “direção” tão clara que as pessoas vêem na produção anterior é um construção feita posteriormente por pessoas que tinham um certo [não necessariamente suficiente] distanciamento e fizeram uma seleção, um corte na produção variadíssima da época. Nada contra fazer seleções ou cortes, mas não dá para achar que a seleção representa o todo. Ou alguém aqui acha mesmo que absolutamente ninguém escrevia sonetos parnasianos ou simbolistas nos anos 30?
O que acontece hoje é que as pessoas publicam com muita facilidade por causa da tecnologia acessível e mais barata, ou pelo menos enchem páginas e páginas da internet com seus poemas. Obviamente a maioria é uma porcaria. Antigamente essas porcarias seriam esquecidas em revistas literárias de poucos números encalhadas em baús mofados. Hoje vivem boiando no espaço da www ou enchendo outros baús, cheios de livros que ninguém leu e que começam a tomar bolor.
O aumento da produção em si é positivo; acho mesmo que todas as pessoas que gostam de poesia [infelizmente não são tantas assim; sou professor universitário e sei disso] deveriam escrever poemas antes de tudo para si mesmas e depois oferecê-los livremente uns aos outros. Faria bem às pessoas e não tão mal aos outros, que na pior das hipóteses podiam forrar com os poemas a gaiola dos seus passarinhos.
O que me incomoda um pouco na produção contemporânea é o corporativismo das pessoas que se organizam em grupos que se elogiam mutuamente e criam um clima em que o espírito crítico é substituído pela linguagem rasteira da resenha promocional de jornal. Também vejo em muitas pessoas o sonho meio aburguesado [e bastante ingênuo] de que elas podem um dia tornar-se escritores "profissionais", escrevendo em tempo integral e vivendo das vendas de seus livros, algo que leva muitas pessoas a toda sorte de populismos bobos em vão.

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...