Olho pra fora, não fujo, não quero mais me sentir outro, de fora;
quero a comunhão barata do barulho dos carros, da gente, do rádio.
Ainda está tudo do lado de fora, do outro lado da mesa, o outro lado da porta de vidro:
gente dando as mãos, atravessando a rua, chorando, sorrindo,
sozinhos, em bando, em dupla,
nascendo, amadurecendo, secando, morrendo.
Um par de folhas de um broto cai no chão,
a chuva cai e leva as duas juntas,
que escurecem podres e já não são mais folhas,
tudo o que há e que houve e que há de ser depositando-se em centenas de anos,
em camadas no sangue, nos ossos, na carne, na língua, tão minha quanto de quem mais quiser,
minha e dos dois garotos que passam lá fora conversando um futuro besta,
minha e da mulher que passa carregando seus desapontamentos nas costas,
minha e do senhor que se arrasta como um deus de chapéu e terno riscado,
minha e de você que me lê agora e é assim meu quase irmão, meu pai e meu filho
e reconhece aqui agora alguma coisa de dentro de um quase par,
um avesso que quase completa e termina o que você é, foi, e pode ainda ser ou não ser.
Mas a questão posta aqui e agora na minha frente é outra:
é sair de dentro desta angústia cega e fazer papel e tinta desta dor surda
que encharca o corpo e aperta cabeça e peito,
porque feito papel e tinta este grito tartamudo
que ninguém vê nem quando me olha bem de frente vai enfrente,
e eu estou livre desta falta do que ainda não fui.
O barulho lá fora faz uma pausa de repente,
mas o alicate de cabo amarelo continua apertando a coluna
e o coração vermelho e cansado continua queimando com o estômago aceso.
Outros barulhos aqui dentro corroem o silêncio que cresce de dentro
e dizem que existe saída, ainda que não exista alívio em sair pra vida.
Então eu vou: faço a tal passagem de uma só vez –
chamem de morte, chamem de amor, chamem de lei natural das coisas da terra –
é uma passagem e é mais e menos: tão pequena que quase desaparece no ar,
mesmo com o sol a pino.
E está aqui, bem na minha frente, mais alta que este muro polvilhado de cacos de vidro:
um silêncio mais alto que o barulho dos caminhões e ônibus descendo a rua.
Escorre pelas grades da janela da sala, contorna o vidro e salta;
cai no jardim salpicado de guimbas de cigarro e copos de plástico.
Cá embaixo, na manhã emaranhada pelo sol do dia 10 de fevereiro, vejo ainda a sala
onde ainda estou e já não estou e onde 23 outros eus doem
espremidos entre o que ainda podem e o que já não podem em um mundo, uma vida e um corpo
que não param de envelhecer nem um segundo.
Aqui embaixo, sou a experiência de uma pedra e a inocência de um torrão de terra,
e me redivido em mil outras coisas menores,
também possuidoras de suas próprias definições para o amor e ditas mortas como eu.
Lá e aqui o mundo das idéias não passa de um vapor quente
que se desapega do chão quando o sol esquenta,
onde tudo é como este poema, escrito e inescrito além e aquém de si mesmo,
dentro e fora ao mesmo tempo.
quero a comunhão barata do barulho dos carros, da gente, do rádio.
Ainda está tudo do lado de fora, do outro lado da mesa, o outro lado da porta de vidro:
gente dando as mãos, atravessando a rua, chorando, sorrindo,
sozinhos, em bando, em dupla,
nascendo, amadurecendo, secando, morrendo.
Um par de folhas de um broto cai no chão,
a chuva cai e leva as duas juntas,
que escurecem podres e já não são mais folhas,
tudo o que há e que houve e que há de ser depositando-se em centenas de anos,
em camadas no sangue, nos ossos, na carne, na língua, tão minha quanto de quem mais quiser,
minha e dos dois garotos que passam lá fora conversando um futuro besta,
minha e da mulher que passa carregando seus desapontamentos nas costas,
minha e do senhor que se arrasta como um deus de chapéu e terno riscado,
minha e de você que me lê agora e é assim meu quase irmão, meu pai e meu filho
e reconhece aqui agora alguma coisa de dentro de um quase par,
um avesso que quase completa e termina o que você é, foi, e pode ainda ser ou não ser.
Mas a questão posta aqui e agora na minha frente é outra:
é sair de dentro desta angústia cega e fazer papel e tinta desta dor surda
que encharca o corpo e aperta cabeça e peito,
porque feito papel e tinta este grito tartamudo
que ninguém vê nem quando me olha bem de frente vai enfrente,
e eu estou livre desta falta do que ainda não fui.
O barulho lá fora faz uma pausa de repente,
mas o alicate de cabo amarelo continua apertando a coluna
e o coração vermelho e cansado continua queimando com o estômago aceso.
Outros barulhos aqui dentro corroem o silêncio que cresce de dentro
e dizem que existe saída, ainda que não exista alívio em sair pra vida.
Então eu vou: faço a tal passagem de uma só vez –
chamem de morte, chamem de amor, chamem de lei natural das coisas da terra –
é uma passagem e é mais e menos: tão pequena que quase desaparece no ar,
mesmo com o sol a pino.
E está aqui, bem na minha frente, mais alta que este muro polvilhado de cacos de vidro:
um silêncio mais alto que o barulho dos caminhões e ônibus descendo a rua.
Escorre pelas grades da janela da sala, contorna o vidro e salta;
cai no jardim salpicado de guimbas de cigarro e copos de plástico.
Cá embaixo, na manhã emaranhada pelo sol do dia 10 de fevereiro, vejo ainda a sala
onde ainda estou e já não estou e onde 23 outros eus doem
espremidos entre o que ainda podem e o que já não podem em um mundo, uma vida e um corpo
que não param de envelhecer nem um segundo.
Aqui embaixo, sou a experiência de uma pedra e a inocência de um torrão de terra,
e me redivido em mil outras coisas menores,
também possuidoras de suas próprias definições para o amor e ditas mortas como eu.
Lá e aqui o mundo das idéias não passa de um vapor quente
que se desapega do chão quando o sol esquenta,
onde tudo é como este poema, escrito e inescrito além e aquém de si mesmo,
dentro e fora ao mesmo tempo.
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