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Alfonso Reyes e o Rio de Janeiro


Alfonso Reyes foi embaixador mexicano no Rio de Janeiro por seis anos. Companheiro de geração de José Vasconcelos [que escreveu seu famoso Raza Cósmica depois de uma viagem ao Brasil como ministro da educação mexicano em 1922], Reyes era um homem ameno de natureza bem diferente da de Vasconcelos - enquanto Vasconcelos trouxe consigo a imensa estátua de Cuautemoc em trajes de guerra que ainda hoje recebe quem chega ao centro do Rio vindo pelo aterro, Reyes doou uma pequena estátua de Xochipilli, deus Maia das flores, que fica escondida dentro do Jardim Botânico. Além de figurante ilustre no "Rondó dos Cavalinhos" de Manuel Bandeira [com quem Don Alfonso fez excursões memoráveis ao Mangue e à Lapa], Reyes escreveu um livro em homenagem ao Rio de Janeiro e fez uma pequena edição caprichada que presenteou a amigos antes de ir embora. Apresento aqui só a entrada do primeiro poema:

Río de Enero, Río de Enero
fuiste río y eres mar:
lo que recibes con ímpetu
lo devuelves devagar.

Minha tradução:
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
foste rio e agora mar:
o que recebes com ímpeto
é o que devolves devagar.

Os poemas são lindos, bastante melancólicos. Reyes vinha de uma série de atribulações e aflições relacionadas à Revolução Mexicana, onde, entre outras coisas, seu pai, Bernardo Reyes morreu dramaticamente metralhado em plena cidade do México bem na porta do Palácio Nacional. No Rio de Janeiro, apesar da revolução de 30 [que para Reyes transcorreu de forma tão tranquila comparada com a carnificina de anos e anos de reviravoltas no México], Alfonso Reyes encontrou uma beleza natural cheia de calma e tranquilidade, mas não ainda sua completa paz de espírito:
Aqui se ha perdido un hombre:
dígalo quien lo encontrare.
Entre los hombres bogaba,
ya no lo distingue nadie.

A minha tradução:
Aqui está perdido um homem:
digam-me se o encontrarem.
Entre os homens vagava,
já não o distingue ninguém.

Alfonso Reyes conheceu bem e apreciava muito o português e por isso introduziu em vários momentos palavras portuguesas nos seus poemas sobre o Brasil, "para dar tempero ao caldo". Dou um doce para quem descobrir onde está o portunhol no original da primeira estrofe que trancrevi.

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