Skip to main content

Sociedade da Desinformação

Sociedade da Desinformação
Um caso ilustrativo do poder de reverberação da informação pelos meios de comunicação: uma biógrafa nos informa que o seu biografado, um famoso autor mexicano que publicou diversos contos numa revista literária mexicana nos anos 40 e 50, ilustrava seus textos com suas próprias, também hoje famosas, fotografias, comparando-o com um autor mais recente, W.G.Sebald, que incorporava imagens fotográficas aos seus romances [li e recomendo muito Austerlitz, desse autor alemão morto precocemente]. Um jornalista “especializado” nesse famoso autor mexicano publica artigo em jornal respeitado no próprio México e cita a tal biógrafa, falando justamente da integração entre fotografia e literatura na obra do autor e repetindo a associação entre ele e W.G. Sebald. O autor em questão é nada menos que Juan Rulfo, um dos melhores escritores do século XX [um levantamento junto a especialistas pelo jornal El País elegeu seu romance Pedro Páramo a mais importante obra em espanhol no século XX – se você ainda não leu, não sabe o que está perdendo] e também um excelente fotógrafo. Rulfo de fato publicou seus contos e fotografias na revista América, mas seus contos nunca foram ilustrados pelas suas fotografias e sim por ilustradores da revista. Mas a tal “informação” agora está por aí, solta no mundo, e muita gente vai com certeza viajar na maionese com associações mil entre as fotos e os contos. O que me inquieta é: como estabelecer a confiabilidade da informação num mundo em que ela se multiplica freneticamente? O jornal e a editora que publicou a biografia de Rulfo não são obscuras ou de má reputação. A refutação desse conto de fadas sobre as fotos e os contos está em um livro recente Tríptico para Juan Rulfo, uma das várias excelentes iniciativas da Fundação Juan Rulfo, prova de que uma família de um autor falecido pode ter uma atuação positiva de divulgação da obra, ao invés de submetê-la aos caprichos e ganância dos descendentes [mas isso é assunto para outro post]. Mas nem todo mundo vai ler o Tríptico e muita gente vai ler o tal artigo no site do jornal La Jornada [excelente jornal por sinal, como nem sonhamos em ter no Brasil, mas isso é assunto para um terceiro post].

Comments

Anonymous said…
Risos. Parece piada se não fosse sério. Tem o caso do Fernando Morais também, o grande biógrafo tão louvado nos cursos de jornalismo - li a notícia aqui. Se o "mestre" é assim...
Obrigado pela referencia, Alexandre. Estamos mesmo obrigados a navegar em um mar de desinformação, não é mesmo?

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...