[De volta à Gringolândia, melancolicamente, retomo esse meu blogue de meia-tigela.]
Eis um pequeno e significativo trecho de carta de Guimarães Rosa para Harriet de Onís em 1959:
"Ah, que lástima, não se pode preferir as frases em 'worse English', mas a bem do poder expressivo e sugestivo, à maneira de Joyce."
Se alguém quiser começar a entender o relativo ostracismo de Guimarães Rosa nos EUA, está aqui o X da questão. GR escreve em português "mal-escrito", que chuta o traseiro das boas maneiras gramaticais em nome da criação à maneira de Joyce, mas quem está disposto a render a um desconhecido do terceiro-mundo a mesma atenção amorosa que devota a Joyce?
Não quero resumir essa questão a um grito de revolta terceiro-mundista, mesmo porque, depois de quatro anos vivendo fora do país, esse estado de espírito teria me levado ao suicídio. Identifico nesse caso de GR um outro problema, que gostaria de entender em seu caráter mais geral: para os leitores em geral existem GRANDES obras e o resto. O que verdadeiramente separa umas das outras não é apenas um critério estético qualquer; é o tempo e a paciência que o leitor em geral dedica a umas e não dedica às outras. Porque se alguém lê e não tira grande proveito de Dante, a culpa é sem dúvida desse leitor que não foi capaz de aproveitar o mundo de significado que Dante lhe oferece, mas se alguém lê Josafá Pereira de Castro e não tira grande proveito dessa leitura… ora, certamente a culpa é do tal Josafá, que parece que não sabe escrever direito. [Qualquer escritor desconhecido sabe exatamente do que eu estou falando]
O exemplo que escolhi para este post é especialmente ilustrativo para nós brasileiros, justamente porque, enquanto GR é um Dante inconteste para nós, ele é um mero Josafá Pereira de Castro para os americanos. Harriet de Onís quer arrumar a bagunça lexical e sintática de GR porque pressente que o leitor americano não vai ter paciência de ler um “Joyce brasileiro”, mas sem essa tal salutar bagunça lexical e sintática GR vira um outro escritor, bem pior.
Quero deixar claro aqui que não culpo Harriet de Onís ou James Taylor [não é o cantor, não] pelo fracasso de vendas de GR nos EUA – fracasso que talvez tivesse acontecido do mesmo jeito se GR tivesse sido traduzido em toda a sua complexidade – mas culpo esses tradutores pelo fracasso estético do texto que traduziram. E explico assim o relativo êxito [estético] da tradução de Sagarana, feita apenas por Harriet de Onís, comparado ao GSV começado por ela e terminado por Taylor.
Eis um pequeno e significativo trecho de carta de Guimarães Rosa para Harriet de Onís em 1959:
"Ah, que lástima, não se pode preferir as frases em 'worse English', mas a bem do poder expressivo e sugestivo, à maneira de Joyce."
Se alguém quiser começar a entender o relativo ostracismo de Guimarães Rosa nos EUA, está aqui o X da questão. GR escreve em português "mal-escrito", que chuta o traseiro das boas maneiras gramaticais em nome da criação à maneira de Joyce, mas quem está disposto a render a um desconhecido do terceiro-mundo a mesma atenção amorosa que devota a Joyce?
Não quero resumir essa questão a um grito de revolta terceiro-mundista, mesmo porque, depois de quatro anos vivendo fora do país, esse estado de espírito teria me levado ao suicídio. Identifico nesse caso de GR um outro problema, que gostaria de entender em seu caráter mais geral: para os leitores em geral existem GRANDES obras e o resto. O que verdadeiramente separa umas das outras não é apenas um critério estético qualquer; é o tempo e a paciência que o leitor em geral dedica a umas e não dedica às outras. Porque se alguém lê e não tira grande proveito de Dante, a culpa é sem dúvida desse leitor que não foi capaz de aproveitar o mundo de significado que Dante lhe oferece, mas se alguém lê Josafá Pereira de Castro e não tira grande proveito dessa leitura… ora, certamente a culpa é do tal Josafá, que parece que não sabe escrever direito. [Qualquer escritor desconhecido sabe exatamente do que eu estou falando]
O exemplo que escolhi para este post é especialmente ilustrativo para nós brasileiros, justamente porque, enquanto GR é um Dante inconteste para nós, ele é um mero Josafá Pereira de Castro para os americanos. Harriet de Onís quer arrumar a bagunça lexical e sintática de GR porque pressente que o leitor americano não vai ter paciência de ler um “Joyce brasileiro”, mas sem essa tal salutar bagunça lexical e sintática GR vira um outro escritor, bem pior.
Quero deixar claro aqui que não culpo Harriet de Onís ou James Taylor [não é o cantor, não] pelo fracasso de vendas de GR nos EUA – fracasso que talvez tivesse acontecido do mesmo jeito se GR tivesse sido traduzido em toda a sua complexidade – mas culpo esses tradutores pelo fracasso estético do texto que traduziram. E explico assim o relativo êxito [estético] da tradução de Sagarana, feita apenas por Harriet de Onís, comparado ao GSV começado por ela e terminado por Taylor.
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