Skip to main content

Linguagem da Loucura 2

[Claro que os loucos da predileção da literatura são os paranóicos, que nada mais são leitores compulsivos que enxergam chifres em cabeça de cavalo]

Comecei perguntando pelas primeiras palavras da bíblia em hebraico; depois conversei com ele longamente em latim, francês e finalmente inglês. Ele dominava tanto essas línguas como demonstrava conhecimentos profundos sobre história e geografia que em quase nada destoavam do nosso atual saber científico ortodoxo sobre essas matérias. Resolvi então questionar-lhe sobre ciências: sendo ele um extra-terrestre teria que necessariamente demonstrar conhecimentos mais avançados que os nossos e uma base sólida para argumentar sobre eles. “Qual o seu nome?” perguntei de cara. “Eu não tenho nome no seu sentido da palavra. No meu planeta nomes são uma descrição do caráter de cada um, dos méritos e deméritos que conhecemos e mesmo aqueles que ainda não conhecemos. Nossos nomes são uma combinação de sons incompreensíveis ao seu ouvido humano, que pensa que um nome é um aglomerado de sílabas como qualquer outro. Hoje meu nome é um, mas amanhã, quando eu for mais sábio e preparado, terei outro e assim por diante. Venho de um satélite de Júpiter. Vivo em Ganimedes e às vezes em Io.” Não desanimei no meu intento investigativo, pois ainda não me dera por convencido: “A energia existe?” perguntei sem maiores explicações. Ele me olhou sem demonstrar a mínima contrariedade, coisa que me impressionou bastante, e disse: “O homem só pode entender a natureza do mundo pelo estudo da natureza de Deus.”

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...