Dois dias depois ele me estendeu a mão e me deixou. Pediu-me que não o seguisse. Eu não poderia mais vê-lo e isso me aborrecia. Assisti impotente ele sumir e tive desejo de segui-lo, mas seria desleal com alguém tão amigável e fiquei aqui. Agora começa a minha aventura. Guardo esse caderno de capa de couro comigo todo o tempo, pois sei que sou seguido de perto pelos órgãos de informação do nosso governo desejosos de poder e por agentes internacionais invejosos do nosso prestígio inter-galáctico. Pretendo publicar tudo o que aprendi, coisas que irão certamente mudar todos os campos do saber humano nos próximos duzentos anos. Estará tudo reunido numa edição completa com capa dura e ilustrações e em outra, resumida, em capa de brochura, para distribuição mais extensiva, que pretendo colocar à venda nas bancas de jornais do país. Mas para que esse sonho se concretize preciso primeiro derrotar os militares e essa ditadura que já dura quase dois anos e é uma forma inferior de governo e controle, pior até que a república liberal, o comunismo ateu e o medievalismo monárquico que tanto abomino. Não acho que qualquer forma de governo terráqueo possa alterar os grandes planos do universo astral, mesmo num país central do ponto de vista cósmico como é o Brasil. Mas é impossível exercer minha missão cósmica, meu sacerdócio espiritual inter-estelar, minha luta por nossa elevação astral, nesse estado de coisas. Que reação teriam os militares quando eu falasse sobre a chegada do segundo sol, o sol da justiça que virá e deslocará a órbita de todos os planetas e dizimará as multidões e deixará vivos apenas uns poucos, que reconstruirão um novo planeta? Tenho certeza que censurariam meus livros antes que chegassem ao público, que queimariam meu caderno de couro e me queimariam como um reles bruxo, coisa que muito mal causariam não só à minha pessoa, mas a toda a humanidade e aos senadores galácticos que têm esperança em meu sacerdócio e em nosso planeta. Por isso resolvi me dedicar ao terrorismo amoroso, que destrói hoje para permitir que se construa um futuro verdadeiro e são. Calculo que derrubarei esse governo em menos de quatro meses. Sei que vão querer me dar funções elevadas de comando depois do triunfo total sobre o regime, mas adianto que não aceitarei nenhum poder desse tipo, pois preciso de tempo para assuntos mais importantes e elevados. Infelizmente a mídia sempre vai neutralizar a verdade total. A Bíblia já adverte que isto estaria acontecendo, e sempre.
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
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