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Entre duas línguas


Antes de junho Olívia só falava inglês. Entendia tudo o que nós dizíamos em português, mas só respondia em inglês, com uma ou outra palavrinha de português adicionada ao vocabulário em conversas conosco. Ela inclusive nos chamava de “mummy” and "daddy" ao invés de mamãe e papai. Em junho fomos passar dois meses e meio em Belo Horizonte e matriculamos Olívia na escolinha do irmão. Ela enfrentou o desafio com uma coragem que me espantou: imagine ser transplantado sem entender porque ou como para um outro planeta onde agora todas as pessoas falam como os seus pais e, tendo em media três vezes o seu tamanho conseguem à sua revelia te abraçar e beijar e pegar, coisas que não aconteciam em absoluto no seu planeta de origem – que simplesmente desapareceu, já que você ainda não entende muito bem a idéia de deslocamento assim no abstrato. Bom, em duas semanas Olívia começou a falar português, ainda inserido em frases em inglês (“I want nadar”, “I like vovó”, etc) e, em menos de um mês já não usava uma palavra sequer de inglês no seu farto vocabulário de 2 anos e meio. Ela outro dia me explicou porque não gostava de um certo tio metido a brincalhão: “ele atrapalha muito, papai.”

No final de agosto voltamos aos EEUU e aí Olívia se recusava terminantemente a falar inglês, seja na nova escola ou seja com qualquer pessoa. Agora Olívia me dizia que vivíamos no Brasil e que ela estudava no “Mundinhos” [sua escola em Belo Horizonte, Miudinhos] e sua “processora” era a Clarice. Agora, um mês depois, Olívia se sente em casa na escolinha nova, mas quase entra em pânico ao sinal de qualquer mudança na sua rotina. Tanto no Brasil como aqui, me chama a atenção que as pessoas acham que Olívia não entende o que elas falavam porque ela não responde a elas na língua em que foi perguntada, mas aqui isso é muito, muito comum – talvez 80% dos pais das crianças na escolinha dela sejam estrangeiros como nós.

Como a própria Olívia me explicou outro dia, “eu sou muito forte, papai!”


Comments

O Bruno (meu sobrinho quase filho) veio do Chile com três anos. Na hora do banho pedia água calhentinha. Na hora do almoço falava que ia comer um poião grande assim, ó. rs... Era uma graça.
É incrível como a gente de repente vê uma figurinha assim desmontar a parede entre duas línguas, né? Bruno ainda fala espanhol?
Juliana Furlani said…
Oi Paulo e Ti! Fico sempre admirada com a capacidade de percepção de vocês. Não é qualquer pai e mãe que consegue perceber desta forma como uma alteração de rotina pode ser impactante para a criança. Saudades de vocês. Samuel e Olívia têm pais admiráveis.
Obrigado, Ju! Na verdade a gente tenta aproveitar ao máximo o que eles têm para nos oferecer!
Como é que vai essa vida de família espalhada?
Fred Selvagem said…
Que gracinha! A Olívia foi o bebê mais simpático que eu já conheci e agora está uma menininha linda!
Pena que a gente não conseguiu se encontrar nessa sua última passagem pelo Brasil. A gente fica com saudades de vocês todos.
Mas, enquanto isso, vou me contentando em te pentelhar um pouco aqui no blog mesmo. Daqui a pouco vou defender o Jobs e a Foxconn no post lá de baixo.
Abração.
Ele esqueceu tudo. Mas também, já fazem bem uns dez anos que não falamos espanhol com ninguém.
Sabe-se lá. Vai ver um dia ele se encontra com um hispanohablante e desembesta a desenterrar do fundo da alma o espanhol de chiquito dele...

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