Trecho da entrevista de Luiz Felipe de Alencastro à Revista da Fapesp:
[…] de repente tinha 750 mil africanos e os filhos deles, os netos, todos ilegalmente nas mãos de soi-disant proprietários. Mas nenhum desses proprietários foi condenado por sequestro e quase todos os indivíduos livres continuaram a ser mantidos na escravidão. Este é o fato escandaloso, um dos maiores crimes do século XIX, ocorrido no Brasil, que não se ensina nas nossas escolas e faculdades: as duas últimas gerações de escravos no Brasil não eram escravos e estavam ilegalmente mantidos como propriedade de alguém, como cativos. Alguns abolicionistas foram ao tribunal, Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Luís Gama, e conseguiram libertar uns 500 indivíduos entre as centenas de milhares ilegalmente escravizados. Isso virou um tabu na história do Brasil e hoje pouca gente sabe que a escravidão era não somente imoral, mas era também, e sobretudo, ilegal. José do Patrocínio, em 1880, na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, fez o cálculo do que o fazendeiro, a viúva e até o pedreiro que tinha escravo deviam para essa gente ilegalmente mantida em escravidão. Quando hoje se fala em indenização sempre aparece o pessoal que é contra a cota para dizer que isso é importado dos negros dos Estados Unidos, que, por sua vez, copiaram o exemplo dos judeus depois da Segunda Guerra Mundial. Mas a reivindicação no Brasil é de 1880."
Pense nisso antes de se levantar contra qualquer tipo de ação afirmativa no Brasil: 750 mil africanos sequestrados e trabalhando ilegalmente como escravos no Brasil entre a independência e a abolição. O que receberam esses africanos, seus filhos e netos com o fim da escravidão a que eles foram submetidos ilegalmente? Nada? Não, algo ainda pior: além de nem um tostão de indenização, zero de apoio para educar seus filhos e zero de ajuda para encontrar terra para cultivar ou casa para morar, esses homens, mulheres e crianças enfrentaram racismo e discriminação oficial e extra-oficial, enquanto colonos imigrantes eram trazidos de fora para substituí-los no trabalho no campo e nas cidades.
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