Outro dia um pessoa amiga e inteligente se queixava publicamente dos achaques diários a que várias empresas sujeitam seus clientes no Brasil e sugeria que isso seria resultado da nossa incapacidade de reproduzir no nosso país os padrões de eficiência do capitalismo de lugares como os Estados Unidos. Eu, como morador há quase dez anos nos Estados Unidos pensei comigo mesmo que esse modelo de achaque ao cliente é uma cópia perfeita do sistema daqui. Se você não pode ser um cliente VIP/Gourmet/Primeira-Classe, que paga um extra, não vai conseguir livrar-se do inferno a que estão sujeitos todos os outros, meros mortais. Com a gentalha todo mundo dá o preço errado, erra no troco, não cumpre prazo nem atende o telefone sem pelo menos 20 minutos de musiquinha. Trata-se de um sistema de malandragem sistematizada, regulamentada em cartório, oficializado nas letras cada vez mais miúdas dos contratos cada vez mais longos.
Nos tempos, digamos, do meu pai, os malandros eram os que movimentavam, por exemplo, o mercado sujo e inclemente da agiotagem, não é mesmo? A agiotagem nos Estados Unidos se transformou em "payday loans", curiosamente chamado no Brasil de "factoring". E a medida em que alguns estados puseram obstáculos aos payday loans, a malandragem foi se diversificando.
O sujeito apertado com as contas do fim do ano liga a TV e vê um anúncio de uma empresa chamada TitleMax [O websaite da empresa está aqui] ao som de uma música animada em que a Miss Estados Unidos segura dois punhadões de dinheiro é oferece "dinheiro, dinheiro de verdade":
“Turn your car title into holiday cash!” [Transforme o título do seu carro em dinheiro para as festas de fim de ano!] diz outro anúncio:
Trata-se de um empréstimo usando o título [daí o nome da empresa] de propriedade do carro da pessoa como garantia, mas outros "produtos" [empréstimos] são infalivelmente oferecidos aos clientes/otários em busca de uma graninha para pagar as contas atrasadas ou para fingirem que Papai Noel também frequenta os pés-de-chinelo da cidade. O anúncio declara que a empresa aceita qualquer pessoa como cliente independente da sua ficha de empréstimos e qualquer furreca como colateral de empréstimo. Livre de qualquer limitação ligada ao controle de empréstimos predatórios depois da crise de 2008, os juros são de 300% [num país em que os juros são, há muito tempo, zero por cento neste caso.
Foram 1.1 milhão de famílias que fizeram esse tipo de empréstimo só em 2013. Só no estado da Virgínia foram 177.775 empréstimos concedidos, uma alta de 612% em relação a 2010. Os juros de fato [contando várias facadas contadas nos contratos] variam de quase 80% a mais de 500% [mais números aqui]. Um em cada seis famílias que fazem esse tipo de empréstimo perdem seu carro, o que em quase todo os Estados Unidos significa tornar-se um cidadão de terceira classe, impossibilitado de trabalhar pela falta de transporte público. Quem não perde o carro paga, paga, paga, paga e paga.
Lojas oferecendo o produto aparecem todos os dias, principalmente nos bairros mais pobres e nos estados em que o aperto financeiro é pior. Os investidores na bolsa de valores adoram e investem seus bilhões no negócio com base nos retornos fabulosos. Trata-se de uma avaliação "neutra" de investidores em busca de um maior retorno. Veja portanto se o conto que escrevi trata-se de uma fantasia escalafobética ou de realismo simples:
Nos tempos, digamos, do meu pai, os malandros eram os que movimentavam, por exemplo, o mercado sujo e inclemente da agiotagem, não é mesmo? A agiotagem nos Estados Unidos se transformou em "payday loans", curiosamente chamado no Brasil de "factoring". E a medida em que alguns estados puseram obstáculos aos payday loans, a malandragem foi se diversificando.
O sujeito apertado com as contas do fim do ano liga a TV e vê um anúncio de uma empresa chamada TitleMax [O websaite da empresa está aqui] ao som de uma música animada em que a Miss Estados Unidos segura dois punhadões de dinheiro é oferece "dinheiro, dinheiro de verdade":
“Turn your car title into holiday cash!” [Transforme o título do seu carro em dinheiro para as festas de fim de ano!] diz outro anúncio:
Trata-se de um empréstimo usando o título [daí o nome da empresa] de propriedade do carro da pessoa como garantia, mas outros "produtos" [empréstimos] são infalivelmente oferecidos aos clientes/otários em busca de uma graninha para pagar as contas atrasadas ou para fingirem que Papai Noel também frequenta os pés-de-chinelo da cidade. O anúncio declara que a empresa aceita qualquer pessoa como cliente independente da sua ficha de empréstimos e qualquer furreca como colateral de empréstimo. Livre de qualquer limitação ligada ao controle de empréstimos predatórios depois da crise de 2008, os juros são de 300% [num país em que os juros são, há muito tempo, zero por cento neste caso.
Foram 1.1 milhão de famílias que fizeram esse tipo de empréstimo só em 2013. Só no estado da Virgínia foram 177.775 empréstimos concedidos, uma alta de 612% em relação a 2010. Os juros de fato [contando várias facadas contadas nos contratos] variam de quase 80% a mais de 500% [mais números aqui]. Um em cada seis famílias que fazem esse tipo de empréstimo perdem seu carro, o que em quase todo os Estados Unidos significa tornar-se um cidadão de terceira classe, impossibilitado de trabalhar pela falta de transporte público. Quem não perde o carro paga, paga, paga, paga e paga.
Lojas oferecendo o produto aparecem todos os dias, principalmente nos bairros mais pobres e nos estados em que o aperto financeiro é pior. Os investidores na bolsa de valores adoram e investem seus bilhões no negócio com base nos retornos fabulosos. Trata-se de uma avaliação "neutra" de investidores em busca de um maior retorno. Veja portanto se o conto que escrevi trata-se de uma fantasia escalafobética ou de realismo simples:
Moctezuma Holding™
There is not anything which contributes
more to the reputation of particular persons, or to the honour of a nation in
general, than erecting and endowing proper edifices for the reception of those
who labour under different kinds of distress.
Jonathan Swift
Caro Cliente Elite VIP Diferenciado Gourmet,
Peço que você leia com calma a brochura que tem às
mãos. Ela contém informações importantes sobre a nova linha de investimento da Moctezuma Holding™, uma opção com atrativos
únicos para aqueles que, como você, não se contentam com nada menos que o
melhor do melhor.
Primeiro, algumas palavras sobre a Moctezuma Holding™. Sabemos que o homem
de negócios do século XXI não tem tempo para poesia. Objetividade e simplicidade
são o segredo do nosso sucesso. Analisamos o Mercado, a partir dos conceitos da
objetividade absoluta e implacável e do ideal capitalista de gastar sempre o
mínimo para obter um produto que se venda sempre pelo máximo. Nosso ideal é fabricar
com ar algo que vale ouro. Isso se traduz em opções de investimento assim:
custo de produção minimizado + valor de mercado máximizado
= lucro otimizado
Esse é o nosso mantra. Essa é a mola do nosso mundo.
Nossa nova linha exclusiva de investimento se chama: 21st Immigrant Slave Sex Worker. Sabemos
que a escravidão como sistema econômico global é ineficiente, reduzindo o público
consumidor e travando o consumo, mas como opção de investimento dentro de um
sistema não-escravista, a escravidão oferece oportunidades fabulosas de
conjugar custo mínimo e valor máximo. A conjuntura atual, com um fluxo
constante de imigrantes sem permissão de trabalho cruzando fronteiras, garante o
fornecimento dessa mão-de-obra (além de outro extraordinário campo de
investimento – o transporte e a facilitação da entrada desse capital humano – que
será objeto de uma nova linha de investimento que esperamos oferecer aos nossos
clientes em breve). O imigrante ilegal é o escravo natural, não no sentido dos que
usavam argumentos religiosos ou raciais para a escravidão de outrora. Basta seguirmos
fielmente nossos princípios norteadores de investimento com absoluta
objetividade: o imigrante ilegal é o escravo natural do século XXI pois é um indivíduo
que vem a nós por sua própria iniciativa, por livre e espontânea vontade. Num
sistema não-escravista o uso de mão de obra escrava oferece uma vantagem competitiva
incontestável. Por mais miseráveis que sejam os asiáticos enfurnados em
fábricas 24 horas por dia, não são páreo para os nossos imigrantes ilegais
escravizados, que trabalham de graça! Um outro componente fundamental: escaparemos
dos marcos regulatórios que sufocam e constrangem o gênio e a beleza dos
negócios. Livre de regulamentos, punições, taxas, impostos e toda essa teia parasítica
que o estado lança à nossa volta, o dinheiro cresce vigoroso e produz um jorro
glorioso de riqueza, que esperamos compartilhar com você!
Seguindo nossa opção preferencial pela simplicidade
objetiva absoluta, analisamos o mercado da escravidão e fizemos a opção por um
ramo básico, fundamental, ancestral: o sexo, uma necessidade básica permanente
desde os tempos mais remotos da humanidade, constituindo portanto um mercado de
consumo também ideal. Nesse ramo de serviços a mão de obra estrangeira
adiciona, mais uma vez naturalmente, o tempero exótico que gera um valor
agregado apreciável. A “ilegalidade” da imigração, da escravidão e da
prostituição aumenta riscos mas os modelos de testes que fizemos com matrizes
as mais sofisticadas mostram que essa mesma para-legalidade multiplica lucros.
Os custos operacionais para eventualmente torcer com sutileza e bom senso os
braços da lei são muitíssimo menores que os custos com impostos e taxas de
negócio legalizados.
A combinação em uma linha de investimento do ramo de
serviços sexuais e do trabalho não-remunerado feito por imigrantes ilegais num
ambiente de negócios sem qualquer marco regulatório dá a esse investimento um retorno
sem igual. Por isso, caro investidor Elite VIP Diferenciado Gourmet da Montezuma Holding™, não hesitamos em
oferecer a você essa nova linha de investimentos, porque sabemos que você não
se contenta com nada menos que o melhor em termos de lucratividade, com custos
e perdas minimizados e gastos e ganhos maximizados, seguindo o princípio
fundamental que nos trouxe das cavernas até aqui.
Permita-nos um breve devaneio. Imagine um mundo
natural em que o estado desaparecesse e a eficiência absoluta reinava soberana.
Livres, vicejariam os fortes e ricos como nós, enquanto cairiam e serviriam de
adubo os fracos e pobres. Seria ainda um mundo de oportunidades: os pobres
fortes, cultivando um implacável ódio e desprezo pela pobreza poderiam alçar-se
além por seus próprios méritos e vir um dia a substituir aqueles ricos que
porventura tenham se tornado fracos. Sobreviveriam sempre e apenas os mais
aptos. Isso é bom e natural: é a integração do homem à sua natureza primeira, ao
que nos torna uma espécie imbatível na luta pela vida no planeta. Infelizmente
ainda estamos muito longe desse sonho e talvez nunca cheguemos lá. Mas é esse
sonho que orienta nossos esforços na Moctezuma
Holding™.
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