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3 contos de Lydia Davies

Lydia Davis
Não é a primeira vez que Lydia Davis aparece aqui no blogue. Ela é uma das poucas escritoras de prosa em inglês que me entusiasmaram ultimamente. Os três textos abaixo são do livro can't and won't que ela lançou em 2015. Não tenho tempo para grandes elaborações aqui no meu canto, mas o habitual laconismo no blogue talvez se encaixe bem com os textos dela. Para mim Lydia Davis é como a Clarice Lispector dos contos/crônicas, principalmente quando poesia, conto e crônica se confundem nos textos mais curtos dela - o trabalho dela é vendido como contos mas essas são questões mercadológicas antes de qualquer coisa.  

Bloomington

Agora que já estive aqui por algum tempo, posso afirmar com certeza que nunca tinha estado aqui antes.


Encontrei o original de "Bloomington" enterrado nessa resenha do livro Can't and Won't.


O Romance Ruim

Esse romance difícil e sem graça que eu trouxe comigo para a viagem - eu continuo o lendo. Eu já voltei a ele tantas vezes, sempre temorosa e sempre o achando tão ruim quanto da última vez, que agora ele já se tornou uma espécie de velho amigo. Meu velho amigo o romance ruim.

Encontrei o original, "Bad Novel", aqui.


Minha Irmã e a Rainha da Inglaterra

São cinquenta anos já de chateia chateia chateia e enche enche enche. Não importa o que minha irmã faça, nada é bom o suficiente para minha mãe, e nem para o meu pai. Ela mudou-se para a Inglaterra para escapar deles, e casou-se com um inglês, e quando ele morreu, casou-se com outro inglês, mas não foi o suficiente.

Aí ela recebeu a Ordem do Império Britânico. Meus pais pegaram um avião para a Inglaterra e ficaram assistindo do outro lado do salão quando minha irmã se levantou e foi sozinha até a Rainha da Inglaterra e ficou ali parada conversando com ela. Eles ficaram impressionados. Minha mãe me contou numa carta que nenhuma das pessoas recebendo homenagens naquele dia tinha ficado falando tanto tempo com a rainha como a minha irmã. Eu não me surpreendi porque minha irmã é sempre ótima de conversa, não importa a ocasião. Mas quando eu depois perguntei à minha mãe o que é que minha irmã estava usando, ela não se lembrava muito bem - luvas brancas e um vestido que parecia uma barraca, ela disse.

Quatro Lordes do Parlamento mencionaram minha irmã em seus discursos de posse, pelo trabalho extraordinário que ela tinha feito em prol dos portadores de deficiência, e ela tratava os deficientes, minha mãe contou, como qualquer outra pessoa. Ela conversava com motoristas de táxi do mesmo jeito que ela conversava com os Lordes, e ela conversava com os Lordes do mesmo jeito que ela conversava com os deficientes. Todos adoravam minha irmã, e ninguém se importava que a casa dela fosse meio bagunçada. Minha mãe disse que a casa continuava uma bagunça, e que minha irmã continuava engordando e perdendo as formas, ela convidava gente demais para a casa dela, e ela deixava a manteiga de fora da geladeira o dia inteiro, ela falava demais da vida particular dela com o amigo dela indiano dono da mercearia da esquina, e ela simplesmente não conseguia parar de falar, mas minha mãe e meu pai se sentiram na obrigação de ficar calados porque como é que eles dar o contra em alguma coisa agora que minha irmã tinha feito tanto bem para tanta gente e era tão admirada.

Eu tenho orgulho da minha irmã, e estou feliz por ela por causa do prêmio que ela recebeu, mas também estou feliz que minha mãe e meu pai finalmente tiveram que calar a boca um pouco, e vão deixar ela em paz um pouco, ainda que eu ache que não vai durar muito, e eu lamento que só mesmo a Rainha da Inglaterra tenha dado conta de calar os meus pais.

Encontrei o original, "My sister and the Queen of England", aqui.

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