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Sobre políticas públicas para a leitura e os livros

Provocado por um post da minha amiga de feicibuque Denise Bottman, comecei a pensar sobre as mazelas da indústria do livro no Brasil. Na atual conjuntura política a gente só pode mesmo conversar sobre essas coisas no nível mais hipotético possível, mas tenho uma modestíssima opinião, muito incerta e precária: um papel do estado [na esfera federal, estadual ou municipal] na questão do livro deveria estar concentrado em manter uma biblioteca pública com acervo "em dia" em cada cidade mais de 200 mil habitantes e um número proporcional a esse nas cidades maiores [2 milhões=10 bibliotecas]. Isso teria que ser um primeiro objetivo, pois o número não é nada bom. O dinheiro teria que vir preferencialmente dos três níveis. Veja bem, não é uma biblioteca para guardar tudo o que se compra para todo o sempre amém; como as bibliotecas municipais de qualquer porcariazinha de cidade aqui nos EUA, seriam bibliotecas que de tempos em tempos vendem parte do seu acervo para fazer espaço para novos livros [vende-se aquilo que não tem mais circulação nenhuma e que não é considerado como tendo potencial de manter interesse dos leitores a longo prazo]. Esses livros vão para o mercado de livros usados. 

Stetson é a filial em um dos bairros mais pobres da cidade
Na atual conjuntura, com um ministro que chama gente completamente desclassificada para dar palpite sobre educação e um presidente espúrio que atua como se tivesse ganho uma eleição com 90% dos votos, reconheço que isso é conversa para boi dormir. Pelo jeito temos que esperar 20 anos antes de pensar de novo em livros e cultura. 

Mas eu vejo muita gente humilde [mais da metade da cidade onde vivi nos últimos dez anos está abaixo da linha da pobreza] lendo os jornais, revistas e outros livros enquanto também aproveita para se esquentar do frio. Vejo jovens jogando uns jogos de carta tipo RPG em volta de mesas redondas, vejo pais ou acompanhantes levando crianças para passar uma hora ou duas na biblioteca num ambiente seguro e limpo. Vejo todo o tipo de pessoa usar a biblioteca para encontrar ajuda para escrever currículo, procurar emprego, aprender um pouco sobre computadores, descansar um tempinho da bagunça lá fora. Vejo gente se reunindo para assistir um documentário ou ouvir uma palestra sobre a história da cidade. Vejo uma instituição servindo de apoio para uma vida melhor ou pelo menos para um dia-a-dia um pouco menos massacrante. São cinco bibliotecas [uma no centro e quatro nos bairros] para uma cidade de 130.000 habitantes.
Uébisaite da biblioteca de New Haven
Não quero de maneira alguma deixar de aprender sobre as várias questões complexas que envolvem a produção, distribuição e comercialização de livros no Brasil. Entendo a importância dessas questões mas acho que a ênfase no custo dos livros ao consumidor, na existência de livrarias, na distribuição ou no preço do papel revelam um olhar um pouco distorcido. Um leitor não precisa ter dinheiro para comprar livros. 
Um leitor não é alguém que monta uma biblioteca na sua casa. Um leitor é alguém que precisa ter acesso a um livro e a biblioteca é um espaço onde esse acesso não depende do status de consumidor do leitor. Faria sentido o estado investir o dinheiro dos impostos em dar acesso aos livros a milhões de pessoas que não tem acesso nenhum. Não se trata de forçar ninguém a ler nada. Trata-se de reconhecer a importância da leitura para a vida das pessoas e decidir que vale a pena investir em permitir às pessoas um espaço para isso, se elas quiserem.

O Brasil tem mais ou menos 200 milhões de habitantes. 84% deles vivem em cidades. São mais ou menos 160 milhões de pessoas e portanto mais ou menos 800 bibliotecas com acervos em dia para começar, começando de preferência pelos bairros mais pobres das cidades mais pobres.

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