Skip to main content

Dez motivos para morar e para não morar em Babylon [segunda parte]

Parte 2

Agora os motivos para não morar em Babylon:

O bananão que há
1. As bananas daqui têm gosto de papel e um cascão grosso - são um lixo.
2. As mangas aqui tem gosto de papel azedo e são também um lixo. O caso das mangas ainda é pior porque eu costumo ir ao Brasil em julho, portanto fora da estação das mangas. Então são 10 anos sem comer uma manga de verdade.
3. O assédio constante, incansável de vendedores picaretas de todos os tipos golpe no telefone, email, correio, rádio, televisão, redes sociais, outdoors, anúncios pregados no ônibus, folheto de supermercado e até na porta da sua casa. A malandragem aqui é toda feita com papel passado, e ninguém pensa duas vezes antes de se aproveitar mesmo das pessoas mais desamparadas. Parece até que eles farejam de longe aquele estrangeiro que não sabe falar inglês muito bem e não acha que não existe malandragem em Babylon.
4. A política aqui, no nível municipal e estadual, é em grande medida completamente dominada por um dos dois partidos. A máquina partidária então domina completamente. São 50 anos de vereadores, prefeitos, deputados e senadores estaduais e deputados federais sempre do mesmo partido. A minoria [seja ela 10%, 30% ou 40% dos votos] não elege ninguém nunca e não tem qualquer tipo de representação em lugar nenhum.
5. Ver meu filho de seis anos jurando a bandeira em nome de deus e da união patriótica depois de ter crescido numa ditadura militar que me fazia jurar a bandeira em nome da ordem e do progresso não é sopa.
6. Esse ponto diz respeito ao canto nordeste dos EUA, onde vivi por praticamente 10 anos. Para os padrões de um brasileiro do sudeste faz frio de outubro até abril. Abaixo de 10 graus de novembro até março. Aí começa a fazer um calor para humilhar o verão do Rio de Janeiro. Porque seres humanos vivem aqui em grande número é um mistério que o fato de eu viver 10 anos aqui não explica.
7. Mais de 15 anos gastando bilhões com uma guerra absurda que não acaba nunca mais e 15 anos escutando gente muito inteligente e razoável dizer que é preciso cortar custos, que o governo deve muito e é grande demais, que os professores ganham muito, que as mães solteiras e os viciados em drogas exploram o sistema etc.
8. Aqui não tem padaria. Tem pouquíssimas que levam esse nome mas fecham às 4 horas da tarde e vendem só pão, bolo e biscoito. Aliás o conceito de ir comprar um pão fresco que acabou de ser assado simplesmente inexiste.
"Ra-ra-rá, então você dorme de lado?" 
9. Na média as pessoas aqui não são nem um cisco melhores ou piores do que as pessoas no Brasil. Tem gente simpática e antipática, falante e calada, tímida e ousada, gozadora e austera, pudica e depravada, religiosa e não-religiosa,  fissurada e relaxada. Traçar uma diferença cultural nessas bases não faz muito sentido, me parece uma fraude. Quem passa por aqui um ou até seis meses, pode voltar para o Brasil com a impressão de que a gente aqui é assim ou assado baseado na minúscula amostra de seres humanos daqui que conheceu. Mas o que é particular em uma cultura é algo bem mais sutil, algo que atravessa essas diferenças que a gente costuma prezar tanto. Eu tentaria descrever a particularidade da cultura contemporânea dos Estados Unidos como uma consciência muita aguda que cada um tem da sua individualidade e um zelo muito grande pela preservação desse espaço físico e psíquico só seu. Nesse contexto todas as relações humanas são movidas por interesses, não necessariamente interesses materiais, mas interesses mesmo assim. Com isso eu já aprendi a conviver, mas o sentimento de um grande vazio afetivo é difícil de dissipar.
10. Todos aqueles programas de entrevistas engraçadinhos com aquele tatibitate papo-furado e todas aquelas comédias onde o cinismo azeda a crueldade e a ironia para além do que eu posso aceitar. Mas isso eu suponho que também já impera em Pindorama.

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...