Desenho de Georgia O'Keefe, foto minha |
Um experimento: fazer da prosa de Machado de Assis a poesia que Machado de Assis nunca faria e ilustrá-la com desenhos à lápis de Georgia O'Keefe. Projeto de distração fuleira no meio de uma tempestade épica em Oklahoma às 4 da manhã.
Sonata do Absoluto
Machado de Assis
I
Tinha
lido de manhã,
em uma notícia de jornal,
que há estrelas duplas,
que nos
parecem um só astro.
Em vez de ir dormir,
encostou-se à janela do quarto,
olhando para o céu,
a ver se descobria alguma delas;
baldado esforço.
Não a
descobrindo no céu,
procurou-a em si mesma,
fechou os olhos para imaginar o
fenômeno;
astronomia fácil e barata,
mas não sem risco.
Maria Regina viu dentro de si
a estrela dupla e única.
Separadas, valiam bastante;
juntas, davam um astro esplêndido.
E ela queria o
astro esplêndido.
Quando abriu os olhos
e viu que o firmamento ficava tão alto,
concluiu que a criação
era um livro falho
e incorreto, e desesperou.
Georgia O'Keefe, foto minha |
II
Fechou os olhos e dormiu.
Sonhou
que morria,
que a alma dela,
levada aos ares,
voava na direção
de uma bela
estrela dupla.
O astro desdobrou-se,
e ela voou para uma das duas porções;
não
achou ali a sensação primitiva
e despenhou-se para outra;
igual resultado,
igual regresso,
e ei-la a andar
de uma para outra das duas estrelas separadas.
Então uma voz surgiu do abismo,
com palavras que ela não entendeu:
—
É a tua pena, alma curiosa de perfeição;
a tua pena é oscilar por toda a
eternidade
entre dois astros incompletos,
ao som desta velha sonata do
absoluto:
lá, lá, lá…
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