Uma pessoa morre e uma vida se completa, e o que resta para um documentarista disposto a fazer um filme-biografia? Filmes caseiros ou de eventos públicos, fotos, cartas e um punhado de documentos impessoais. Uma matéria prima de imagem e voz muitas vezes bem parca e pobre, principalmente antes da internet e das redes sociais. E o que mais lhe resta além disso? O depoimento de amigos, da família e de companheiros de trabalho. No caso de alguém que morreu recentemente, essa fonte pode ser rica e gerar horas e horas de depoimentos gravados - e a testemunha ganha importância quase tão grande quanto a do personagem principal. O papel do biógrafo/documentarista então é usar essa matéria insuficiente e geralmente de segunda mão para reconstruir para o seu público a presença viva da pessoa morta. Nisso reside sua arte, seu talento e seu estilo.
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
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