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Recordar é viver: Os cães de guarda

Foto minha: Aero Coca 45, Belas Artes, UFMG
“Manter-se na posição de autoridade requer respeito pela pessoa ou pela instituição. O maior inimigo da autoridade, portanto, é o desprezo, e forma mais certa de enfraquecê-lo é o riso".
Sobre a Violência, Hannah Arendt

Mas que tipo de riso podemos rir com coisas como o trecho abaixo, que nos mostram uma continuidade inquietante entre o passado distante [já faz mais de meio século!] e o presente radicalmente distópico? Meu riso pode até chegar, mas vem acompanhado de uma náusea insuportável:


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 “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.


Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte,
pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida,
a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade.
Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro
foi totalmente tomada por enorme multidão,
que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (...),

formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”


O Estado de Minas, 2 de abril de 1964

O título é referência a um livro que foi cuidadosamente silenciado na imprensa desde que foi lançado, de autoria da historiadora Beatriz Kushnir. O livro não ri, mas arranca a máscara de zeladores da democracia de grande parte da grande imprensa brasileira, levando junto a classe média que produz e consome essa imprensa.

Em 2008, fazendo declaração oficial sobre o Estado de Minas e sobre o Correio Braziliense [ambos jornais dos diários associados] a então governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius (PSDB) afirmou:

"São dois jornais reconhecidos no Brasil por suas qualidades editoriais, gráficas e na luta pela democracia". [ver a reportagem completa aqui].

Como é que um jornal que faz papel de animador de torcida no golpe militar de 1964 se transforma em um lutador pela democracia? 

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