Skip to main content

Obituário - George Steiner

Trechos de discurso feito em Lisboa em 2009:


"O jardim de Goethe: atravessa-se o jardim em Weimar e encontramo-nos no terreno do campo de concentração de Buchenwald."

"A necessidade humana é frequentemente estúpida, desordenada, desprovida de beleza."

"Hoje construir um edifício significa que se aflora a física (a física dos materiais), a sociologia (um edifício é um complexo acto social), a economia (como financiá-lo? Como irá ele sustentar-se?), aborda questões sanitárias, é claro, envolve estudos ambientais; compreender o que significa construir, tentar parar aquilo que estamos a fazer às nossas cidades, tentar obter conhecimento, a encantadora expressão inglesa é to read a building, lire un bâtiment, da mesma forma que se lê um livro ou um poema, entender o seu significado. Não há campo algum que a arquitectura não abranja, que não alcance, e temos de fazer alguma coisa para parar a barbárie, o clamor do dinheiro, o fascismo do dinheiro, que está a destruir as nossas cidades, mas antes temos de aprender um pouco sobre isso."

"De Pitágoras (e, claro, também antes) aos dias de hoje, tem sido uma viagem constante de descoberta, uma viagem constante de enriquecimento. É talvez a actividade mais peculiar do homem. A matemática pura está vedada a qualquer outro animal, a qualquer outra forma de vida. A tremendamente inútil beleza transcendental da matemática. Forneceu aos seres humanos uma das poucas provas de que, de facto, somos capazes de evoluir nem que seja um pouco."

"A música é a linguagem de toda a gente, não conhece fronteiras, não carece de tradução, recusa ser parafraseada. E a música é uma actividade que nos diz que somos capazes de sentir. Sim, sabemos que há algo mais. Há algo que não somos capazes de dizer, há algo que não conseguimos explicar. E a música lembra-nos continuamente da possibilidade da transcendência, a possibilidade de haver algo mais."

"O fosso entre as humanidades e as ciências é o aspecto mais preocupante e nocivo da nossa presente condição académica."

"Um dia, recentemente, o Senhor Deus tornou-se muito impaciente connosco. Basta, é suficiente, é suficiente. Desta vez o dilúvio é a valer. Não haverá Noé, nem Arca. Desta vez, adeus. A notícia corre. Deus disse-nos: “Dez dias, tendes mais dez dias.” E, na pequena aldeia, as pessoas vieram ter com o Rabino: “Dez dias?” O Rabino replica: “Dez dias é tempo mais que suficiente para aprendermos a respirar debaixo de água.” Nous tous, il faut prendre à respirer sur l’eau. Mas será uma aventura fabulosa."

O discurso inteiro está aqui.








Comments

Best Gangsta said…
Loved reading this tthank you

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...