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Showing posts from November, 2021

A escolástica antropofágica

Um problema frequente no Brasil. As pessoas lêem muito mais os manuais e resumos do que os autores em si. O resultado é que certas bobagens acabam sendo repetidas e repetidas, mesmo em trabalhos universitários. Os alunos não se exercitam lendo e interpretando eles mesmos a literatura e o estudo da literatura se transforma em um estranho tipo de escolástica.  Exemplo curto e grosso: Oswald de Andrade. Leiam estes três trechos e me digam se dá para sustentar essa ideia porra louca de um libertário a frente do seu tempo na compreensão do Brasil como um país culturalmente especial porque pós-colonial e pós-estruturalista desde o final dos anos 20. "Indago daqui se existe uma censura cinematográfica para permitir que nossas crianças menores de dez anos vão se contaminar no swing imbecil e nos trejeitos cretinizantes e imoralíssimos dos atuais desenhos animados.   Urge revigorar a campanha tradicionalista de Gilberto Freyre em contra-ofensiva aos monopólios americanos que agora já m...

O Nobel entre Saramago e Octavio Paz

 José Saramago tinha uma personalidade agressiva, um temperamento afeito ao confronto. Isso aparecia mais claramente nas entrevistas, nas quais Saramago nunca se importava de dizer coisas que pudessem ser consideradas desagradáveis pelo interlocutor. Isso podia dar na expressão de coisas que eram para ele verdades: a crítica à Igreja Católica de Ratzinger e a afirmação da sua crença na revolução comunista. Mas também podia dar em ideias meio esdrúxulas como uma nova união ibérica com a Espanha defendida como benéfica a Portugal em particular. Na sua ficção - que pelo para mim é o que realmente importa - me parece -  não sou especialista na obra dele - Saramago usava esse temperamento agressivo a favor de uma escrita sutil mas bem comunicativa e de posições políticas que não estavam ligadas ao noticiário recente.  Octavio Paz é para mim o oposto de José Saramago: sempre elegante ao ponto de parecer um sofista, sempre se esquivando da sua cumplicidade com o poder, sempre di...

Obituário - Nelson Freire

 Morreu também Nelson Freire - não pode haver nada mais diferente no mundo da música. Para mim ele era, em primeiro lugar, o pianista preferido da minha sogra, que é uma pianista muito boa. Ela era entusiasmada com Nelson Freire ao ponto de - já com oitenta anos e mais de dez pontos na perna por causa de um acidente caseiro - ir de trem para Nova Iorque só para assistir mais uma vez Nelson Freire tocar. Nós morávamos na época no estado vizinho e a viagem de trem até Manhattan dura mais ou menos duas horas. Nelson Freire é meu companheiro de estudo, leitura e escrita com os noturnos de Chopin, que ele gravou divinamente. Eu até fiz um CD para a minha sogra em que intercalava as interpretações dele com as de Cláudio Arau, também maravilhosas. Além disso tem o filme maravilhoso do João Moreira Salles, tão delicado e rigoroso quanto o pianista que retratava com veneração.   

Obituário - Marília Mendonça

Morando fora do Brasil há muito tempo, tenho que ser proativo para conhecer as novas ondas musicais que antes me chegavam por osmose, no restaurante, no táxi, na fila do banco etc. Assim, com aquele atraso tradicional, fui escarafunchar Marília Mendonça, Maiara e Maraísa e Simone e Simaria pelo iutúbio adentro. Escutei tudo o que havia, até entrevistas diversas. Não faz muito tempo falava com os meus amigos de grupo de leitura da segunda-feira sobre como admirava especialmente Marília Mendonça, recebi apoio entusiasmado de um ou dois e indiferença polida dos outros que, ou não conheciam, ou não gostavam do estilo - com todo o direito, aliás. Compartilhei na época um punhado de músicas que achava legais. Essa é uma das minhas favoritas: Não gostava para nada da geração que se seguiu ao primeiro estouro do sertanejo. Achava Leandro e Leonardo e Zezé di Camargo, por exemplo, umas porcarias que misturavam o pior do Roberto Carlos com um pastiche ridículo de Country. Depois daquela música d...

Era uma vez

 Era uma vez um maestro chamado Stokowski, que quis aproveitar a onda da "Boa Vizinhança" e armou um navio com um estúdio de gravação de última geração para sair pela América gravando música de outras culturas. Em 1942 ele abordou no Rio de Janeiro e, tendo como guia um certo maestro brasileiro chamado Villa-Lobos, gravou uma série de canções brasileiras. Entre elas estão macumbas, sambas e música caipira. Um certo sujeito de 34 anos conhecido pelo apelido de Cartola: