Skip to main content

A escolástica antropofágica

Um problema frequente no Brasil. As pessoas lêem muito mais os manuais e resumos do que os autores em si. O resultado é que certas bobagens acabam sendo repetidas e repetidas, mesmo em trabalhos universitários. Os alunos não se exercitam lendo e interpretando eles mesmos a literatura e o estudo da literatura se transforma em um estranho tipo de escolástica. Exemplo curto e grosso: Oswald de Andrade. Leiam estes três trechos e me digam se dá para sustentar essa ideia porra louca de um libertário a frente do seu tempo na compreensão do Brasil como um país culturalmente especial porque pós-colonial e pós-estruturalista desde o final dos anos 20.


"Indago daqui se existe uma censura cinematográfica para permitir que nossas crianças menores de dez anos vão se contaminar no swing imbecil e nos trejeitos cretinizantes e imoralíssimos dos atuais desenhos animados. Urge revigorar a campanha tradicionalista de Gilberto Freyre em contra-ofensiva aos monopólios americanos que agora já mastigam na sua saliva os nossos pobres e medíocres artistas, com o deslumbramento dos seus cachês doirados."

Oswald de Andrade, 1948


"O caso Nélson Rodrigues demonstra simplesmente os abismos de nossa incultura. Num país medianamente civilizado, a polícia literária impediria que a sua melhor obra passasse de um folhetim de iornalão de 5o classe." 

Oswald de Andrade, 1952


Os judeus, julgando-se povo eleito, detentor exclusivo dos favores de Deus, criaram o racismo. Os árabes, povo exogâmico, aberto para as aventuras do mar e para o contato exterior, criaram a miscigenação. E a luta desenvolvida por milênios, tanto no campo étnico como no campo cultural, foi essa — entre o racismo esterilizador mas dominante dos judeus e a mistura fecunda e absorvente dos árabes. Aqueles deram longinquamente a Reforma, estes a Contra-Reforma. Aqueles produziriam Lutero é Calvino, enquanto estes, os jesuítas, que foram feridos pelo Vaticano na sua plasticidade política, filha da miscigenação da cultura que adotavam.

Oswald de Andrade, Marcha da Utopia [Agora admirador dos jesuítas, antissemita e anti-protestante]

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema