Poster de campanha contra o consumo de bebidas alcoólicas nos EUA no começo do século XX
fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgE7sOz36hFV7BT4oEdRLYQwED3tqQXtFH8419immzl8CyRIVa7lmpDULowefyGy3U0lyCyeBbz4sfUUw0tOc1XmsTwtsCOimavjdzo6TZdw7bIG12Tnq2D0oo1bywaLVNbs9An/s400/temperance-movement.jpg
Parto aqui de uma curta reflexão feita pelo escritor nicaragüense Sergio Ramírez sobre o anti-tabagismo para tentar entender o que parece um paradoxo inexplicável da cultura estadunidense.
O puritanismo sempre julga o que é bom ou mal para a saúde em termos absolutos. Esse julgamento parte da oposição entre a necessidade e o prazer, separados de maneira radical. O cigarro, por exemplo, não “serve” para nada e vira portanto a encarnação do mal absoluto. Chegamos ao coração da cruzada contra o cigarro, a mesma fonte da cruzada que terminou na proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos de 1919 a 1933, chamada na época também de “Noble Experiment” – se alguém quiser entender porque a máfia italiana se instalou nos EUA e não no Brasil ou na Argentina, encontra aqui uma boa pista.
[Adianto aqui que não estou advogando em causa própria: não fumo, e tenho mesmo pessoas próximas que sofrem muito com problemas de saúde causados, em grande parte, pelo cigarro.]
As coisas se complicam quando esse discurso se aplica a certas atividades que expõem com mais clareza o fato de que necessidade e prazer não podem ser separados assim. Estou me referindo aqui à alimentação e ao sexo. Ninguém pode negar que comida e sexo são necessidades da espécie; precisamos nos reproduzir e nos alimentar. Mas quando buscamos prazer na comida e no sexo [assim pensa a mente puritana] nos aproximamos perigosamente das chamas do inferno, porque passamos da necessidade para o prazer, da virtude ao pecado. Saltamos da alimentação à gula e da reprodução à luxúria em um segundo, numa garfada a mais ou em numa posição diferente na cama. Chegamos aqui aos filhotes da lei seca: as cruzadas contra o fast-food e a pornografia.
Como se isso já não fosse complicado o suficiente, temos o curto-circuito causado pela convivência “carnal” num mesmo tempo e espaço desse puritanismo feroz e de um consumismo igualmente feroz. O consumismo é uma das molas mestras de um capitalismo “maduro” que precisa continuar a se expandir continuamente para não “apodrecer”, fabricando desejos de consumo onde não há nem sinal de necessidade. A linguagem articulada desse consumismo é a propaganda. E a propaganda fala, pelo menos em parte, a linguagem do prazer. Digo em parte porque é verdade que vende-se muito coisa em cima da idéia absurda de que comprar é economizar, que é uma forma de transferir a linguagem da produção racional puritana para o campo do consumo. Mas é inegável que vende-se muito mais em cima da idéia da busca do prazer como um fim em si mesmo. Basta escolher aleatoriamente dez peças de propaganda para perceber que o discurso do “faça um bem a si mesmo”, “trate-se bem”, “dê a si mesmo o direito de ter esse prazer” ou “curta a vida” se reveza com o “faça parte do seleto grupo de pessoas de sucesso” e com o “seja racional: fique rico ou economize gastando seu dinheiro com isso” e misturas diferentes das três vertentes. Mas o discurso hedonista predomina, mesmo porque cai como uma luva na ideologia consumista.
E aí voltamos ao puritanismo e podemos entender melhor o convívio tenso, explosivo às vezes, entre hedonismo e puritanismo, entre obesidade mórbida e anorexia, entre pornografia e moralismo, entre cruzadas contra o excesso e elegias ao prazer na cultura dos Estados Unidos.
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Parto aqui de uma curta reflexão feita pelo escritor nicaragüense Sergio Ramírez sobre o anti-tabagismo para tentar entender o que parece um paradoxo inexplicável da cultura estadunidense.
O puritanismo sempre julga o que é bom ou mal para a saúde em termos absolutos. Esse julgamento parte da oposição entre a necessidade e o prazer, separados de maneira radical. O cigarro, por exemplo, não “serve” para nada e vira portanto a encarnação do mal absoluto. Chegamos ao coração da cruzada contra o cigarro, a mesma fonte da cruzada que terminou na proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos de 1919 a 1933, chamada na época também de “Noble Experiment” – se alguém quiser entender porque a máfia italiana se instalou nos EUA e não no Brasil ou na Argentina, encontra aqui uma boa pista.
[Adianto aqui que não estou advogando em causa própria: não fumo, e tenho mesmo pessoas próximas que sofrem muito com problemas de saúde causados, em grande parte, pelo cigarro.]
As coisas se complicam quando esse discurso se aplica a certas atividades que expõem com mais clareza o fato de que necessidade e prazer não podem ser separados assim. Estou me referindo aqui à alimentação e ao sexo. Ninguém pode negar que comida e sexo são necessidades da espécie; precisamos nos reproduzir e nos alimentar. Mas quando buscamos prazer na comida e no sexo [assim pensa a mente puritana] nos aproximamos perigosamente das chamas do inferno, porque passamos da necessidade para o prazer, da virtude ao pecado. Saltamos da alimentação à gula e da reprodução à luxúria em um segundo, numa garfada a mais ou em numa posição diferente na cama. Chegamos aqui aos filhotes da lei seca: as cruzadas contra o fast-food e a pornografia.
Como se isso já não fosse complicado o suficiente, temos o curto-circuito causado pela convivência “carnal” num mesmo tempo e espaço desse puritanismo feroz e de um consumismo igualmente feroz. O consumismo é uma das molas mestras de um capitalismo “maduro” que precisa continuar a se expandir continuamente para não “apodrecer”, fabricando desejos de consumo onde não há nem sinal de necessidade. A linguagem articulada desse consumismo é a propaganda. E a propaganda fala, pelo menos em parte, a linguagem do prazer. Digo em parte porque é verdade que vende-se muito coisa em cima da idéia absurda de que comprar é economizar, que é uma forma de transferir a linguagem da produção racional puritana para o campo do consumo. Mas é inegável que vende-se muito mais em cima da idéia da busca do prazer como um fim em si mesmo. Basta escolher aleatoriamente dez peças de propaganda para perceber que o discurso do “faça um bem a si mesmo”, “trate-se bem”, “dê a si mesmo o direito de ter esse prazer” ou “curta a vida” se reveza com o “faça parte do seleto grupo de pessoas de sucesso” e com o “seja racional: fique rico ou economize gastando seu dinheiro com isso” e misturas diferentes das três vertentes. Mas o discurso hedonista predomina, mesmo porque cai como uma luva na ideologia consumista.
E aí voltamos ao puritanismo e podemos entender melhor o convívio tenso, explosivo às vezes, entre hedonismo e puritanismo, entre obesidade mórbida e anorexia, entre pornografia e moralismo, entre cruzadas contra o excesso e elegias ao prazer na cultura dos Estados Unidos.
Comments
agora, esse poster... é sério mesmo? depois de ver essas mulheres, eu quero mesmo é beber!