Skip to main content

Diário da Babilônia - Creative Writing

Existem 822 programas de "creative writing" nas universidades dos Estados Unidos, 27 deles concendendo PhD. É uma máquina que cresce ainda vigorosamente e há quem pense que toda a ficção da segunda metade do século XX para cá nos Estados Unidos foi, de alguma forma, influenciada por esses programas. Ensinaram ou tiveram aulas neles Thomas Wolfe, Robert Frost, John Barth, Robert Coover, Donald Barthelme, E.L. Doctorow, Toni Morrison, Joyce Carol Oates, Raymond Carver, Andrés Dubus, Tillie Olsen, Alice Sebold, Kurt Vonnegut, Philip Roth. Enfim, parece que é mais fácil citar algum escritor que não tenha feito parte desse sistema do que o contrário.
Esses programas partem da premissa de que oficinas de escrita dentro de universidades podem ensinar uma pessoa a escrever. Eu, cá do meu canto, acho difícil que uma instituição tão "sistemática" [nos dois sentidos da palavra], que tem uma cultura fortíssima de conformidade, possa ensinar as pessoas a serem criativas. Quando eu falo de cultura de conformidade - um fato no sistema escolar em geral - falo de alunos que tentam agradar seus professores em busca de uma nota que é prerrogativa essencial desses professores. Podem me dizer que o número de escritores americanos relacionados com o sistema prova que eu estou errado. Cá do meu canto ainda eu penso: esses são bons apesar do sistema não por casa dele.
PS. O motivo desse post é o lançamento do livro "The Program Era" de Mark McGurl, que parece abordar a literatura contemporânea americana ao modo de Antonio Candido e Compania Sociológica [aparentemente] Ilimitada. Ah, mas se todos fossem como o mestre...

Comments

Bem... eu, pobre tupiniquim, sempre vi esses cursos sob outra perspectiva: já que muitos jovens de classe média devem fazer faculdade (queiram ou não) por motivos familiares e empregatícios, esses cursos os poupam/poupariam da maldição das duas profissões. Em teoria, podem ser professores de c.w. enquanto vão escrevendo seus livros...

Se existe um sitema educacional organizado em torno disso, surgem empregos para escritores... (que, afinal, precisam disso).

Ou seja, mesmo não acreditando que tal sistema crie necessariamente bons escritores, ao menos cria um espaço social pra que esses escritores trabalhem remuneradamente.
Talvez vc tenha razão, Sabina. Não sei se o meu post deu uma impressão diferente, mas eu não tenho mesmo uma opinião formada "cabal" sobre a eficácia desses cursos. Se tem gente que os defende com unhas e dentes e gente que os ataca ferozmente, eu fico olhando de longe, tentando entender os argumentos dos dois lados.
E suponho que, no fim das contas, as pessoas precisam muito melhorar o nível da sua escrita em geral e cursos como esses devem funcionar bem nesse sentido. [Como professor eu tenho cada vez menos certeza sobre a eficácia do ensino - às vezes os estudantes aprendem coisas interessantes que eu não estava ensinando e não aprendem nada do que eu queria ensinar!]
O cara que escreveu o tal livro acha que esses cursos foram fundamentais para a cara que tem hoje a ficção americana contemporânea "séria" [queria por mais uns três pares de aspas nesse adjetivo...]. O México também tem uma tradição forte nesse sentido, só que geralmente eles são cursos livres, desligados da universidade ou pelo menos da sua estrutura oficial.
sabina said…
um tempo atrás andei perguntando se alguém sabia por que não havia uma disciplina de c.w. no curso de letras na usp. (que eu saiba, no brasil, só existe na unisinos)

me disseram que os chefes (a.candido et al) foram expressamente contra, argumentando que esse tipo de curso só ensina cliches.

bem... mas o curso de critica que existe hoje, para um aluno que deseja escrever, é absolutamente massacrante por exaltar demais os grandes exemplos e não oferecer chance de praticar, errar, fazer coisas mediocres sem medo.

alguns alunos, sobrevivendo a esse massacre, vão depois escrever com referencias intelectuais tão altas que perdem o contato com a gente comum, digamos assim.

todo curso de criação - que se coloca à disposição da experimentação do aluno - precisa lidar com a ambição desmedida, vaidade e falta de referência da primeira juventude. muita porcaria é escrita, e o professor tenta puxar o aluno para o mundo real - o mundo do planejamento, exercicio e revisão, em oposição ao mundo do gênio que nasce pronto.

mesmo reconhecendo os problemas, acho errado esses cursos simplesmente não existirem no brasil. ainda se convive com a idéia de que o gênio nasce por conjuções cósmicas e deve se sacrificar e vencer sozinho, escrevendo a custa de pobreza e sofrimento. (ou herança)

honestamente... acho isso cruel c/ os individuos, e mitificante quanto ao que a literatura é em 90% dos casos - entretenimento parcialmente culto e pouco sofisticado.
nesse caso ha que se considerar que tem uma questao de luta por espaço academico [inclusive de $]...

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema