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Recordar é viver


Estou lendo um livro meio despretensioso e maravilhoso como documento dos anos 70 no Brasil. Patrulhas Ideológicas é composto de uma série de entrevistas com artistas e intelectuais em 1978 sobre o assunto das patrulhas. Coloco aqui um trecho da resposta de Antônio Calmon para uma pergunta bem típica da época sobre "a crise em termos de pensamento de esquerda no Brasil e no mundo". Ele diz que prefere contar uma história e manda bala. Abaixo só um trechinho, já no meio da resposta:

"Quando cheguei em Copacabana minha namorada abriu a porta da casa e anunciou que o Jango tinha se mandado. Choros, palavrões, etc... até que o pai dela veio buscá-la para levá-la para casa, em Santa Teresa. Pegamos a Nossa Senhora de Copacabana e como se não bastasse o bode que estávamos, ainda ficamos dentro da passeata de automóveis que ia queimar a UNE. A classe média comemorava com bandeiras, papel picado e outras frescuras, essa mesma classe média que hoje está aí, na merda! Bem feito! Deixamos eles queimando a UNE e seguimos para a Cinelândia, onde estava havendo uma concentração popular. A gente ia chorando dentro do carro. Aí na Cinelândia o pai da minha garota disse que ela tinha que voltar para casa e eu fiquei por ali com uns amigos. Tinha muita gente e já soldados do exército armados. Gritos, provocações, movimentos de massa e o resultado foi um puta tiroteio. Vi um cara perder a orelha do meu lado. Saímos todos correndo e entramos pela rua da Lapa, seguidos de perto por soldados atirando. Das janelas dos velhos casarões as putas viam tudo e morriam de rir. Acho que foi a partir desse momento que comecei a me perguntar o que o povo tinha a ver com aquilo tudo. [...] Aí resolvemos subir para Santa Teresa, para a casa da minha menina. Aqui acaba o filme de Einsenstein e começa o filme de Bertolucci. Acontece que eram bodas de prata dos pais dela e estava havendo jantar com champagne e strogonoff, que na época ainda era uma coisa chic. Pois ficando lá de cima vendo a UNE pegar fogo e bebendo champagne. Eu estava meio sem apetite."

Comments

nossa, é praticamente o tema do meu doutorado! vou procurar esse livro... obrigada pela dica, mesmo!
Dessas coincidências felizes, Sabina! Vc conhece o "Impressões de Viagem" da Heloísa Buarque de Holanda?
o que é?
É uma tese de doutorado que deu muito o que falar porque era ao mesmo tempo um relato em primeira pessoa sobre a cultura e a sociedade brasileira do período pós-64.
sabina said…
interessante, vou dar uma olhada...
Se precisar, tem uma cópia aqui na biblioteca...
achei pra vender no extra! o mundo contemporâneo tem suas surpresas...

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