Paul Volcker foi presidente do Banco Central americano até 1987, quando assumiu o ultra-liberal Greenspan, que muita gente, inclusive o próprio achava um gênio até 2008. Do alto dos seus 82 anos, o velho Volcker voltou aos holofotes para servir de conselheiro do presidente Obama no assunto da reforma do sistema financeiro e defendeu eloquentemente a separação entre bancos que tratam de consumidores como eu, você e o padeiro da esquina e as financeiras que passeiam pelas bolsas do mundo com os milhões que nem eu [e presumo nem você] vai ver na sua vida.
Essa divisão entre bancos comerciais e especuladores financeiros vigorou desde a Grande Depressão nos anos 30 até 1999. Faça agora uma pausa e imagine os conservadores da época espumando de raiva por causa dessa ousadia “socialista” de Roosevelt repetida agora por Obama... infelizmente FDR só chegou ao poder em 1933 e o republicano Hoover deixou o barco continuar a correr abismo abaixo de 1929 até então. A idéia defendida por Volcker é simples: um banco comercial como o Citibank merece ser protegido de uma eventual quebra por afetar a vida de milhões de americanos, mas não pode ir se meter em negociatas de alto-risco todo alegre e pimpão sabendo que se pisar na bola pode sempre fazer cara de coitadinho e fingir de novo que é apenas um banco comercial.
Bom, a reforma do sistema financeiro acabou muito longe do satisfatório, pelo menos para quem acha que bancos não deveriam privatizar seus lucros e socializar seus prejuízos. Não tanto por falta de empenho ou convicção do governo, mas porque o assunto era discutido no senado e um dos votos republicanos indispensáveis para a votação era de um tal de Scott Brown. Republicano de Massachusetts em primeiro mandato, Scott Brown tinha acabado de ser eleito para terminar o mandato do falecido Ted Kennedy. Explico: quando morre um senador nos EUA, não assume um vice, mas faz-se uma nova eleição para alguém exercer um mandato tampão. Assim o pobre Kennedy, que votaria no projeto inicial com prazer, vai ficar se revirando na sepultura pelo menos até 2013. Em declaração pública, o novo republicano da casa reclamou que a lei como estava aumentaria impostos [coitadinhos dos bancos]. Scott Brown é relativamente sem experiência e é o primeiro senador republicano no estado desde 1997, e deve parte da sua façanha ao apoio entusiasmado de setores do Tea Party.
O ex-modelo da Cosmopolitan [a revista Nova dos EUA] terminou seu discurso da vitória dizendo aos eleitores “I'm Scott Brown, I'm from Wrentham, I drive a truck, and I am nobody's senator but yours.” Reféns do senador ex-modelo motorista de pick-up caçador de socialistas, os democratas tiveram que abrir as pernas e conceder aos bancos e seus lobistas um aumento de 40% [em relação ao plano inicial] no nível de investimento em alto risco que eles podem fazer sem perder o status de bancos comerciais, diluindo assim substancialmente [alguns dizem definitivamente] o remédio receitado por Volcker. Volcker que aliás é uma figura de credenciais absolutamente não-socialistas – foi apontado para o Fed pelo democrata Carter mas mantido na posição pelo ídolo maior dos republicanos, Ronald Reagan, que aliás fez um governo meio comuna pelos critérios do Tea Party...
Isso tudo é só para voltar a bater na mesma tecla: se não elegermos no Brasil um congresso consideravelmente melhor, as limitações políticas do governo vão continuar, as acusações de clientelismo e fisiologismo vão continuar e as velhas figuras de um passado tenebroso vão continuar a desfilar com destaque pelo noticiário e pelos corredores do poder.
Comments
Mas, por aqui, especula-se que o governo vai conseguir maioria no congresso. A direita alarmista diz que é o primeiro passo para o PT mudar a constituição e se instalar no poder, como Hugo Chavez.
Agora o Tea Party é uma bomba, literalmente. Uma reportagem da New Yorker diz que o movimento foi financiado indiretamente pelos bilionários irmãos Koch para defender suas idéias ultra-direitistas. Se esses caras ganharem tanto espaço como parece, vai ser o fim do império americano...