Skip to main content

Daniel Sada - A língua espanhola perde um de seus maiores 2

Eis aqui o início de um dos meus contos favoritos de Daniel Sada, “El basilisco”:

“Preciosa o más bien agresiva, la serpiente café se desliza a la sorda por entre los escobos – en el solar, al fondo, allá adonde nadie entra –; aciaga, temeraria, querrá encontrar quizá el escondrijo idóneo o mostrarse, larguísima cual es, ante una equis mirada.

¡El niño estupefacto es quien la ve!

Parece la raíz de un árbol centenario que por arte de magia cobra vida. Oronda avanza, falsa, hacia el espacio ideal donde sus serpenteos y su color pudieran diluirse entre las gándaras. Y el niño echa a correr con su alarido al viento, pretende dar aviso a sus padres ¿dónde? Aumenta su clamor.”

Quem conhece Guimarães Rosa reconhece a sintaxe bem “solta” da frase que desliza como a “serpente café”. Também reconhece o uso peculiar de certa dicção culta desprovida dos clichês que marcam a linguagem murcha dos jornais, por exemplo. Também reconhece o senso de dramatismo peculiar na narração em terceira pessoa que muda vertiginosamente de ponto de vista: do primeiro parágrafo centrado na cobra para o curto segundo parágrafo que nos apresenta o menino, e depois de volta à cobra e logo depois de volta ao menino. Em dez linhas o leitor sente-se estranhamente íntimo do menino e da cobra, imerso na história do conto.

Mas quem conhece Guimarães Rosa também sabe que aqui não há intenção de imitação; que quem escreve aqui é com certeza outro escritor. A língua espanhola nas mãos de Daniel Sada se transformava assim em aventura. Uma aventura claramente mexicana, mas muito longe dos maneirismos, das “gracinhas” que afetam até mesmo um Carlos Fuentes.

Sei que há que ler o conto todo para entender melhor o que eu digo. Está feito mais uma vez o convite. Quem se aventurar a conhecer Daniel Sada não vai se arrepender.

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...