Arcada encontrada no cemitério dos pretos novos no Valongo |
XVIII
Em 1758 as
autoridades do Rio de Janeiro, preocupadas com a imagem da cidade e a higiene
pública, decidiram deslocar as atividades relacionadas com o tráfico de
escravos do principal porto da cidade para o que era então uma área periférica,
o Valongo. Ali foi se construindo um complexo: um cais, centros de “triagem,” uma
rua com depósitos e mercados e um cemitério de “Pretos Novos” (para os escravos
recém chegados que morriam na chegada). As descrições do cemitério feitas por
testemunhas oculares na época me lembram as célebres cenas de Auschvitz: pilhas
e pilhas de corpos mal-enterrados em covas rasas, as carnes podres expostas no
meio da lama.
XIX
Após a proibição
formal do tráfico de escravos em 1831 (a famosa lei para inglês ver), o Valongo
foi “apagado” pelas autoridades da cidade, construindo-se em cima dele o “Cais
da Princesa,” projeto do arquiteto modernizador da cidade (o francês Grandjean Montigny)
para receber com pompa e estilo a esposa do imperador D. Teresa Cristina, que
chegava fresquinha da Europa em 1843.
XX
As grandes
reformas do prefeito Pereira Passos (1902-1905) queriam transformar o centro do
Rio de Janeiro numa espécie de Paris moderna e, além da construção de avenidas bem
largas e retinhas como a Rio Branco, incluíam a remoção do casario colonial e
de morros inteiros da cidade. Sobrou até para o Morro do Castelo, lugar da
fundação e das primeiras construções da cidade. Procuravam nos intestinos do
morro um suposto tesouro dos Jesuítas, que tiveram que sair com uma mão na
frente e outra atrás da cidade no século XVIII, mas só produziram mesmo terra e
entulho que serviu para aterros diversos e “apagou” o Cais da Princesa em
tempos de república.
XXI
As autoridades
da cidade do Rio de Janeiro aproveitam as Olimpíadas para “revitalizar” a
deteriorada zona portuária do Rio de Janeiro com um conjunto de obras chamado
de “Projeto Porto Maravilha”. Desenterram o Cais da Princesa mas trombam também
com o Valongo, inclusive com o famigerado cemitério. O prefeito da cidade disse
aos jornais [http://extra.globo.com/noticias/rio/escavacoes-de-obra-de-drenagem-da-zona-portuaria-encontram-restos-dos-cais-da-imperatriz-do-valongo-1188339.html],
“Vou fazer uma praça como em Roma. Ali estão as nossas ruínas
romanas.” Não sei não, afinal eu não fui até lá ainda, mas acho que estaria mais para um “ali está nosso Auschwitz.”
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