Texto interessante de Angelo Segrillo foi publicado no
blogue do Prosa e Verso do jornal O Globo
sobre concursos para professor no Brasil.
Logo no começo um trecho com o qual eu não posso concordar
de jeito nenhum:
“Nós, os professores
universitários, os intelectuais, somos uma espécie de ‘grilo falante’ da
sociedade, a consciência que pensa criticamente e aponta erros e caminhos.”
Aí tem tanta coisa
errada que sinceramente não tenho ânimo de comentar muito. Só observo duas
coisas: há uma diferença enorme entre pensar criticamente e se enxergar como a
consciência moral de uma sociedade. O dever do sujeito devia ser olhar
criticamente para si mesmo antes de qualquer coisa, sem ficar apontando o dedo
para a “sociedade” como se ela fosse um monolito do qual ele ou ela não faz parte.
Sempre descamba para um elitismo terrível essa imagem da sociedade como um
corpo provido de consciência, sistema nervoso central, músculos, etc. Nós somos parte da sociedade e não somos necessariamente
melhores que ela. Quem acha que a corrupção e os interesses mesquinhos que
afetam o Brasil estão “lá” em Brasília e entre os políticos, precisa frequentar
uma simples reunião de condomínio com um olhar um pouquinho mais crítico.
A proposta do texto supostamente é criar um “movimento”:
“Aproveitando até o
atual clima de insatisfação com todo tipo de corrupção no país, eu proporia a
criação de um Movimento para Prevenção de Irregularidades em Concursos Públicos
Acadêmicos, reunindo todas aquelas pessoas da área acadêmica e da sociedade
civil que considerem ser este problema sério a ponto de merecer um tratamento
em separado.”
Mas o curioso é que
antes de se constituir o tal movimento já resolveu o que fazer e se juntou ao MEC para
resolver o problema colocado:
“Como é delicado para
o ministério, formado por professores universitários, ‘investigar’ a própria
classe, o ministro da pasta poderia propor a criação de uma Comissão
Independente para Propostas de Medidas para Prevenção de Irregularidades em
Concursos Públicos Acadêmicos. Esta Comissão, a partir dos subsídios do movimento
anterior, e ouvindo setores da sociedade civil e acadêmica, sugeriria uma série
de medidas para melhoria nos concursos. E o Ministério da Educação (assim como
faz em programas como o Reuni) poderia usar o estímulo de financiamentos extras
para as universidades que adotarem os padrões mais seguros de concursos
públicos com as novas medidas propostas. Ou seja, uma espécie de ISO 9000 de
concursos como condição necessária para financiamentos acadêmicos adicionais.”
ISO 9000? Alguém aí
acha que o setor privado no Brasil é menos corrupto e mais eficiente que o
serviço público? De onde vem o dinheiro que corrompe e o que é que ele compra
para quem? Alguém que já tentou resolver qualquer pepino numa provedora de
celular ou TV a cabo ou num banco privado no Brasil sabe do que eu estou
falando.
Existe no trecho
acima também a fé de que é possível separar completamente o subjetivo do
objetivo com a adoção de “procedimentos” que vão então tornar a escolha de um
professional para um determinado posto de trabalho num assunto “científico” ou
“técnico” ou “impessoal” e portanto “neutron”,
“não-político” e eminentemente a prova de erro.
Apesar de tudo uma
sugestão concreta do texto é muito razoável, apesar de mais uma infelicidade
semântica na escolha do termo “inspector” para a figura de um observador
externo do processo:
“Uma das medidas que
podem ser tentadas é criar a figura do ‘inspetor’ nas bancas de concursos: um
membro da banca (preferencialmente de fora da área do concurso, para evitar
pressões) cujo principal papel seria de verificar que o processo está ocorrendo
de acordo com os padrões de impessoalidade e sem favoritismos.”
O assunto é importante, a discussão relevante mas não custa lembrar que o diabo mora nos detalhes e que o inferno está cheio de boas intenções...
Comments
(tata)
O gênero também é esquisito: um texto que pede pela criação de um movimento é uma espécie de convocação e tem um tom coletivo mas vem de uma pessoa só. Espero que dê certo, mesmo assim!