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Poesia Minha: Saudades

Imagem do Ribeirão da Serra perto da minha casa em Belo Horizonte, antes de ser engolido pelo Asfalto. Fonte: Grupo Projeto Mangabeiras

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Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

            Álvaro Campos


O Tietê é mais sujo
que o ribeirão que corre minha aldeia,
mas o Tietê não é
mais sujo que o ribeirão
que corre minha aldeia
porque não corre minha aldeia.
Poucos sabem pronde vai
e donde vem ele,
o ribeirão da minha aldeia, 
   
que pertence a menos gente  
   
mas nem por isso é menos sujo.

O ribeirão da minha aldeia 
   
está sepultado
debaixo do asfalto
para não ferir os olhos
e o direito de ir e vir
nem molhar os inventários
da implacável boa gente
da minha aldeia.

Mas não adianta
demolir e sepultar
as quatro favelas
da minha aldeia:
os fantasmas me apontam
tudo o que já não está.

A família de Dona Ana
onde assenta o sopé
da margem esquerda 
do bairro Mangabeiras.

Os retalhos do Pindura-a-Saia 
   
debaixo do asfalto da Afonso Pena,
do Ginástico, da FUMEC,
do Mercado do Cruzeiro,
da CEMIG e do IAB.

O Apartheid-Hotel de nome inglês
que brotou do velho
asilo Santa Isabel.

E as sombras tenebrosas
da Copacabana,
abafadas por aquele
famoso clube da cidade
onde só entra preto pela porta de serviço.

A memória é o que há para além
do ribeirão da minha aldeia
e brota da injustiça
que o cimento pretende apagar.
A lembrança é a fortuna
daqueles que a sabem encontrar. 


Na miséria desse inverno gelado,
trancado no meu trabalho,
não penso em mais nada:
estou agora, de novo,
em pé, nas pedras da bica
do ribeirão da minha aldeia.

Comments

Gostei muito.
(tata)
Pesquisas arqueológicas minhas, Tata. Nem sei se como poema ele presta muito. Ando tentando aproximar bastante prosa e poesia nos meus poemas e às vezes suspeito que isso não vai dar em nada que preste.

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