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Diário de Família: Aprendendo a deixar para trás

Fotos minhas: meu filho brincando com três varetas e a imaginação
Há mais ou menos um mês, quando voltamos do Brasil, meu filho resolver dar seu bicho de pelúcia preferido, um tigre que ele chamava de Haroldo em homenagem ao companheiro do Calvin, para a sua irmã. Quando ela acordou e saiu de casa deixando o Haroldo no chão, meu filho escreveu um bilhete "do Haroldo para a Olívia" e pôs em cima do travesseiro dela, dizendo que ele não gostava de ficar no chão. Ele depois escreveu numa redação com tema livre da escola que ele tinha decidido dar o Haroldo para a Olívia porque ele não queria mais ficar apegado demais às coisas do passado, com medo de perdê-las.

Me lembrou "Os cimos" de Guimarães Rosa, quando o menino protagonista precisa aprender a lidar com a ansiedade da perda:

" Mas o menino concebia um remorso, de ter no bolso o bonequinho macaquinho, engraçado e sem mudar, só de brinquedo, e com a alta pluma no chapeuzinho encarnado. Devia jogar fora? Não, o macaquinho de calças pardas se dava de também miúdo companheiro, de não merecer maltratos. Desprendeu somente o chapeuzinho com a pluma, este, sim, jogou, agora não havia mais. E o menino estava muito dentro dele mesmo, em algum cantinho de si. Estava muito para trás. Ele, o pobrezinho sentado."

O menino do conto é bem mais novo e enfrenta a perspectiva terrível de talvez perder sua mãe, armado de sua própria imaginação. Se eu algum dia eu pudesse começar a explicar a graça de conviver com crianças, seria assim. É um mistério para mim entender como é que tantos adultos, tanta gente interessante e legal e pessoas que inclusive conseguem ser muito bons pais [a começar pelos meus próprios] não vê a menor graça nesse convívio com as crianças. 

Comments

Unknown said…
Oi Paulo, compartilho com você desse gosto. A companhia das crianças, e devo dizer em particular dos meus filhos, pois foram os que tive mais perto, sempre foram momentos de muito prazer. E aprendizado. Saudade de você e de sua família!
Unknown said…
This comment has been removed by the author.
Saudade tbm, Ju. Prazer e aprendizado é um bom resumo dessa relação.
Norma, leveza não é uma coisa que me venha naturalmente. Acho que é uma dura conquista de anos e mesmo assim apenas em momentos. Mas é do que a gente precisa, né? Eu vejo muita gente procurando coisas para odiar e desprezar na internet e quero tentar não me envolver nessa onda. Sempre vai haver gente estúpida com ideias absurdas no mundo, que é mesmo muito grande. Hoje em dia todo mundo, inclusive essas pessoas, escreve na internet e deixa registrado sua estupidez. É importante selecionar com cuidado nossos interlocutores para não ficar desperdiçando energia com gente que não vale a pena!
Anonymous said…
Não conheço nada mais interessante que o ser humano. E a infância é a melhor fase.
(tata)
A gente cresce e aprende a se esconder, Tata. É uma questão de sobrevivência, eu suponho. Aí as crianças ainda não chegaram a esse ponto de "civilização" [ou adestramento] e como elas chegam lá sem se perder nessa cortina de fumaça toda é o que mais me interessa agora.
Anonymous said…
Teríamos dissertado muito sobre isso se vc tivesse vindo a OP. rs...
Um dia ainda conversamos, menino.
(tata)

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